domingo, 15 de maio de 2011

Breve análise do DL 147/2008

Efectivamente, o nosso ordenamento jurídico até à relativamente pouco tempo não distinguia o dano ecológico do dano ambiental.
Tal facto podia justificar-se com a confusão da constituição neste aspecto (art. 52/3 CRP), com a perspectiva individualista propugnada pela Lei de Bases do Ambiente no art. 40/4 e 5 no que se refere ao dano ambiental (n.º 4 refere-se “cidadãos directamente ameaçados ou lesados” e n.º 5 “autarquias e aos cidadãos que sejam afectados”) e com o silêncio da Lei da Acção Popular quanto à respectiva diferença, reduzindo o direito à indemnização aos interesses individuais (art. 22/2).
A comunidade Europeia deu então o primeiro passo regulando a prevenção e reparação do dano ecológico na Directiva 2004/35/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 21 de Abril. No entanto, Portugal só transpôs a Directiva com o DL 147/2008, tendo o prazo já expirado em 2007.
Olhando a Directiva no ponto 14 do Preâmbulo e o art. 3/3 a Professora Carla Amado Gomes o DL 147/2008 só se aplica ao dano ecológico como definido no art. 11/1/d).
Quanto ao âmbito objectivo do diploma são abrangidos os danos ecológicos causados à água, solo e espécies e habitats protegidos pelo ordenamento nacional. O DL 147/2008 até foi mais além neste ponto pois a directiva apenas protegia as espécies e habitats protegidos ao abrigo da Rede Natura 2000.
Relativamente ao âmbito objectivo surge o problema de saber se são de considerar os danos ao ar e ao subsolo visto que não estão elencados nem na directiva nem no DL 147/2008. Sendo este DL um desenvolvimento do regime de responsabilização explanado na LBA, não se entende a distinção do legislador que apenas faz a referência ao solo quando na LBA se faz a diferenciação entre solo e subsolo. A professora Carla Amado Gomes propõe duas soluções:
• O DL 147/2008 padece de ilegalidade por contrariar a LBA e de inconstitucionalidade indirecta por reduzir o âmbito das normas constitucionais ambientais por omitir a referência ao ar e ao subsolo; ou
• Deve proceder-se a uma leitura do DL 147/2008 conforme à LBA e à constituição, considerando como dano ecológico as lesões efectuadas ao ar e ao subsolo, aplicando-lhes o regime deste mesmo diploma.
O âmbito subjectivo foi também alargado face à directiva visto que esta preconiza a responsabilidade assente na culpa por danos contra espécies e habitats protegidos ao abrigo do regime da Rede Natura 2000 enquanto o DL 147/2008 acrescenta ainda a responsabilização por quaisquer danos ecológicos, desde que enquadrados no art. 11/1/e).
A noção de responsabilidade é uma noção ampla, ou seja, independente da verificação de um dano na Directiva e no DL 147/2008 devido ao Princípio basilar do Direito do Ambiente, o Princípio da Prevenção. Não nos esqueçamos que qualquer interferência no meio ambiente é susceptível de causar danos sendo estes muitas vezes irreversíveis.
Há então uma dupla vertente: vertente preventiva e uma vertente reparadora/compensadora sendo esta ultima a inovadora.
A vertente preventiva consubstancia-se no dever de adopção de medidas preventivas previsto no art. 14, que são exigidas quando existe ameaça iminente de um dano ecológico ou de novos danos subsequentes a uma lesão já ocorrida. Esta iminência consiste num conjunto de pressupostos que estando todos reunidos, tornem verosímil e provável, com grau de certeza razoável, a ocorrência de um dano (art. 5 e 11/1/b)). As medidas preventivas adoptadas têm de obedecer aos requisitos do Anexo V (art. 14/3). A prevenção dos danos ecológicos é irrenunciável, é um poder-dever da Agência Portuguesa do Ambiente (art. 29).
A vertente reparadora prevista nos art. 15, 16 e Anexo V tem 2 modalidades, podendo ser por iniciativa da entidade competente, devido à insuficiência do operador ou da sua omissão, ou por iniciativa do operador que submete ma proposta com medidas de reparação, devendo a entidade competente decidir e fixar as medidas.
O art. 18 fixa a legitimidade para 3 situações:
• Dano patrimonial directo, actual ou provável – n.º 2, alínea c)
• Dano pessoal ou patrimonial colateral, actual ou provável – n.º 2, aliena a)
• Dano exclusivamente ecológico, denunciável por actor popular (art. 2/1 Lei 83/95 e 53/2 CPTA) a cujo elenco se deve aditar o Ministério Público (art. 9/2 CPTA).
A diferença entre as duas primeiras situações assenta no carácter directo ou colateral, pressupondo sempre um dano ecológico. No primeiro caso, ao dano ecológico cumula-se o dano patrimonial, no segunda caso, o dano ecológico tem total autonomia.
A directiva previa a possibilidade de os Estados-Membros dispensarem os operadores de custear as operações de reparação. O legislador português optou por o fazer no art. 20, em 2 casos:
• Responsabilidade por facto de outrem ou instrução administrativa – operador avança com montante mas tem direito de regresso contra terceiro que provocou a ameaça de lesão ou dano e contra entidade administrativa que emitiu a ordem que concorreu para a ameaça ou dano.
• Responsabilidade objectiva – operador não paga os custos de reparação ou prevenção dos danos ecológicos quando provoque uma lesão ambiental, sem culpa, no âmbito de uma actividade constante do Anexo III ou no âmbito de outra actividade não conotada como actividade de risco, através do conhecimento técnico-científico existente.
O custo é então, suportado pelo Fundo de Intervenção Ambiental. O operador tem de requerer o reembolso, e apesar de não suportar o custo, tem o dever de adoptar as medidas no mais curto prazo possível.
No art. 22 prevê-se a obrigatoriedade de constituição de garantias financeiras para os operadores das actividades abrangidas pelo Anexo III.
Apesar de inovador e de autonomizar o dano ecológico, a construção do Decreto-lei leva a algumas dúvidas quanto à sua aplicação devido às opções do legislador.

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