sábado, 21 de maio de 2011

Breve reflexão sobre a admissibilidade dos contratos de promoção ambiental

A Administração recorre cada vez, nos mais diversos ramos de Direito, aos contratos como forma de actuação. A contratualização assume-se hoje como um modo usual e extremamente relevante de actuação da Administração, ultrapassando-se o paradigma do acto administrativo unilateral, vinculativo do particular e no qual ele não tinha qualquer intervenção.
O Direito do Ambiente não foi excepção a esta tendência e diversas formas de concertação contratual surgiram neste ramo do Direito, numa lógica de participação dos interessados ou do fomento do seu envolvimento na submissão às regras, numa lógica de promoção do seu comprometimento para além do simples acatamento da lei.
Destaca-se, neste âmbito, os contratos de promoção e os contratos de adaptação ambiental, regulados nos arts. 58.º e 78.º do DL 236/98.
Os contratos de promoção ambiental têm por objecto um comprometimento dos particulares no sentido de se submeterem a normas de descarga mais exigentes do que as que se encontram em vigor para o sector de actividade e para as empresas aderentes (a este propósito, cfr. o art. 68.º/3 DL 236/98).
Já os contratos de adaptação ambiental têm por objecto a fixação de um prazo para adaptação à legislação ambiental em vigor (cfr. o art. 78.º/3 DL 236/98).
O presente estudo versa sobre os primeiros.
Abstenho-me aqui de fazer referência aos sujeitos destes contratos, pois a presente versa sobre as questões da sua admissibilidade constitucional, atendendo ao que infra se exporá.

Nos contratos de promoção ambiental, o primeiro problema corresponde ao que dispõe o art. 68.º/10, a saber «na renovação da licença de descarga das empresas do sector não aderentes ao contrato de promoção ambiental não poderá a entidade licenciadora fixar condições menos exigentes do que aquelas que constam daquele contrato, nomeadamente no que respeita aos VLE a observar». Esta disposição mais não faz do que atribuir eficácia externa ao contrato de promoção ambiental.
O problema desta disposição prende-se com o disposto no art. 112.º/5 CRP, que proíbe a deslegalização, i. e., impede que a lei crie outras categorias de actos legislativos ou confira actos de outra natureza o poder de, com eficácia externa, interpretar, integrar, modificar, suspender ou revogar qualquer dos seus preceitos.
Para analisar esta questão, VASCO PEREIRA DA SILVA (Verde, Cor de Direito, Almedina, 2005, pp. 217 e 218) recorre à «análise material dos valores que aqui se defrontam», contrapondo (i) os princípios da constitucionalidade, da legalidade e tipicidade das formas de lei aos (ii) princípios da eficácia da realização da política ambiental pela via contratual, da participação e da colaboração dos particulares no exercício da administração de ambiente e da tutela da confiança dos particulares.
Como tal, delimita o âmbito de aplicação dos referidos contratos no respeito pelo primeiro conjunto de princípios.
Admite-os (i) no domínio de margem de livre apreciação pela Administração e (ii) mesmo que, a título excepcional, se afastem dos limites legais, contanto que tal seja possível à luz da previsão legislativa.
Tenho para mim que não podem afastar-se os contratos de promoção administrativa, sem mais, simplesmente pelo que dispõe o art. 112.º/5 CRP. Em bom rigor, esta norma constitucional respeita unicamente a normas imediatamente exequíveis, pelo que, sem que que o não sejam, o seu conteúdo pode ser modelado por outros actos, normalmente, regulamentares, mas também – nada o impede – contratuais, admitindo que os novos valores passam a ser fixados por portaria.
Assoma-se-me, no entanto, um problema diverso, respeitante à autonomia privada. Estes contratos são celebrados entre as associações representativas dos sectores e o Ministério do Ambiente, bem como o Ministério responsável pelo sector da actividade. O conteúdo deste contrato é, naturalmente, vinculativo para as empresas aderentes. Porém, aquilo que o art. 68.º/6 faz é atribuir eficácia externa a esse contrato, vinculando futuramente empresas não aderentes em função de uma manifestação de vontade de um determinado grupo de empresas.
Se é verdade que este tipo de actos traz inegáveis vantagens do ponto de vista da protecção do ambiente e da promoção da participação e auto-comprometimento público, não é menos verdade que pode ser problemático ao nível da eventual constituição de lobbies e da distorção da concorrência. Pense-se numa pequena empresa que compita com uma multi-nacional…
Em todo o caso, há ganhos que são benéficos independentemente dos fundamentos que a eles presidam, independentemente da intenção, mas esta questão não é isenta de discussão e uma análise casuística não pode ser dispensada.

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