sexta-feira, 20 de maio de 2011

Breves considerações sobre a responsabilidade objectiva pelos danos ambientais

Vigora no ordenamento jurídico português o princípio geral de que só há responsabilidade civil quando haja culpa na violação ilícita de direitos de outrem. Este princípio geral (art. 483/1CC) admite excepções previstas na lei (art. 483/2CC). Uma dessas excepções consiste na obrigação de indemnizar, mesmo não tendo havido culpa, quando estejam em causa danos ao ambiente.

Este regime de responsabilidade objectiva foi expressamente instituído no art. 41 na Lei de Bases do Ambiente (Lei n.º 11/87, de 7 de Abril = LBA).

Era discutido o verdadeiro alcance desta norma, havendo quem defendesse que esta responsabilidade pelo risco estava dependente de concretização legal (devido às referências ao “normativo aplicável”, no n.º 1, e à “legislação complementar”, no n.º 2). Em oposição, defendia-se que apenas bastaria que o agente tivesse “causado danos significativos no ambiente, em virtude de uma acção especialmente perigosa”, não obstando a dupla indeterminação do preceito (afinal, que seria um dano significativo e uma acção especialmente perigosa?).

O Prof. Menezes Leitão (A responsabilidade civil por danos causados ao ambiente, Actas do Colóquio – A responsabilidade civil por dano ambiental, org. Carla Amado Gomes e Tiago Antunes, Lisboa, 2009, pp. 30-31) chama ainda a atenção para a necessidade de articulação deste regime com aquele que consta do art. 493/2CC, concluindo que o regime do art. 41LBA acaba por ficar bastante fragilizado. Isto porque se o agente demonstrasse ter empregado todas as providências necessárias à prevenção dos danos não haveria obrigação de indemnizar. Fala-se aqui numa responsabilidade pelo risco aproximada da responsabilidade subjectivo, na esteira do Prof. Menezes Cordeiro (op. cit.p. 32). Não concordo com esta solução porque o art. 493/2 não tem aplicação quando estejamos perante uma actividade especialmente perigosa nem quando os danos sejam ambientais, existindo um nexo de causalidade entre e especial perigosidade e os próprios danos. É que o art. 41LBA corresponde a uma variante, digamos assim, do art. 493/2CC, tendo com este uma relação de alternatividade, pelo que o problema colocado pelo Prof. Menezes Leitão não tem lugar, salvo o devido respeito.

Actualmente, face ao regime do DL 147/2008, de 29 de Julho, a responsabilidade pelo risco nos danos ambientais aparece regulada com mais pormenor. Continuam, porém, a levantar-se problemas. Vamos preocupar-nos, sucintamente, com dois. O do objecto de protecção do diploma e o da concretização da responsabilidade.

O primeiro é o de saber que danos se encontram abrangidos pelo DL 147/2008. Se os ambientais, se também os ecológicos. O legislador faz a distinção no Preâmbulo do diploma mas acaba por não distinguir convenientemente no articulado, pelo que se há quem diga que se pretende abranger todos os danos (Dr. Figueiredo Dias, Aspectos contenciosos da efectivação da responsabilidade ambiental – a questão da legitimidade, em especial, Actas…, pp. 277-278).
Opõe-se a Prof. Carla Amado Gomes, pugnando pela exclusividade da protecção ao dano ecológico “e só deste”, no âmbito do DL 147/2008, acrescentando, em rodapé, que a responsabilidade civil prevista no Capítulo II não passa de uma duplicação das regras do Código Civil (A responsabilidade civil por dano ecológico, em Textos dispersos de Direito do Ambiente, vol. III, Lisboa, 2010, p. 25 e n. 35).
Todavia, uma leitura atenta deste Capítulo II, nomeadamente do artigo 7.º, levar-nos-á a conclusão diferente. Diz-se aí (art. 7) que há responsabilidade sem necessidade de culpa quando sejam violados direitos alheios por virtude de lesão de um qualquer componente ambiental. Não há nenhuma regra no Código Civil semelhante a esta (nem tampouco o art. 493/2, como vimos acima). Esta é a expressão acabada daquilo que é um dano ambiental, entendido nos mesmos termos que no Preâmbulo.

Quanto ao segundo problema, pergunta-se em que termos se delimita a responsabilidade pelo risco por danos ambientais. A questão coloca ainda duas sub questões; uma quanto aos sujeitos, outra quanto à possibilidade de exclusão de responsabilidade.
Quais os sujeitos que incorrem em responsabilidade objectiva? O art. 7 remete para o Anexo III que consta do mesmo diploma legal e que, por sua vez, remete para numerosos diplomas avulsos e para várias situações. Ocorre, então, perguntar se essa remissão é taxativa ou se, por outro lado, meramente exemplificativa, continuando a valer a previsão legal do art. 41/1 da LBA.
Aqui daremos razão a quem opta pela taxatividade do Anexo III. O DL 147/2008 desenvolve a LBA, pelo que se entende que o legislador quis determinar quais são as actividades especialmente perigosas que poderão originar uma responsabilidade objectiva pura. No caso de se causarem danos ambientais no âmbito de uma actividade perigosa aplicaremos o disposto nas regras do Código Civil (nomeadamente o art. 493/2), modulando o regime da culpa a uma perigosidade menos evidente.

Finalmente, pergunta-se até onde vai a responsabilidade objectiva. Stuart Bell/ Donald McGillivray (Environmental Law, 6.ª ed., Reino Unido, 2006, p. 394) entendem que em duas circunstâncias  se limita a responsabilidade objectiva pura: [quando] “the damage is authorized under a permit issued to comply with the listed EC environmental laws that the directive [2004/35/CE] covers” e quando o actual conhecimento científico não permita antecipar a eventual perigosidade da actividade. Para este mesmo sentido se inclina a Prof. Carla Amado Gomes. Esta limitação da responsabilidade pelo risco é compreensível porque afasta, ainda que subliminarmente, o discutível princípio da precaução. Porém, desvirtua o próprio princípio pelo qual se estatui a responsabilidade pelo risco. Esta apenas se justifica devido ao benefício económico conseguido pelo agente em virtude da sua opção por uma actividade económica especialmente perigosa para o ambiente, ou seja, cuja possibilidade de provocar danos seja flagrante. Poderá mesmo dizer-se que a especial perigosidade da actividade fará, até, presumir que aquela actividade poderá resultar em danos gravosos para o ambiente, independentemente de esses danos serem todos previsíveis pelo actua legis artis. É a especial perigosidade da actividade que torna proporcional a mera responsabilidade pelo risco. Será contraproducente exclui-la em qualquer caso.

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