domingo, 15 de maio de 2011

A Constituição e o Ambiente

A Constituição da República Portuguesa de 1976 foi pioneira ao incluir um preceito relativo ao ambiente, o seu artigo 66º. Ao prever as questões ambientais no seu corpo, a CRP 1976, demonstrava todo o seu cariz de modernidade e propugnava-se a no futuro ser ainda uma constituição actual.
Esta preocupação com a inclusão de temas relativamente recentes no pensamento jurídico-político e nas ordens jurídicas - recentes, na altura em que a Constituição foi elaborada - é revelada não só pelo artigo 66º mas também, por exemplo, pelo disposto no artigo 35º onde se disciplina a protecção e a utilização de dados informáticos dos cidadãos (uma questão com cada vez mais actualidade num mundo permanentemente ligado pela internet), pelo artigo 60º, que defende os consumidores (embora este artigo só tenha sido incluído na Revisão de 1982) ou pelas preocupações com a habitação digna e o planeamento urbanístico (artigo 65º) ou ainda pela tutela feita aos idosos, jovens, crianças e cidadãos deficientes consagrado nos artigos 69º a 72º.
Todas estas matérias eram geralmente estranhas às constituições, pelo que se prova desde já o carácter inovador do Texto Fundamental de 1976. Assim, tendo em conta o carácter progressista ou actualista da CRP 1976, deixa de ser surpreendente a inclusão do ambiente no seio do ordenamento constitucional.
Existiria, aliás, quase uma obrigação dos constituintes incluírem o ambiente na Lei Fundamental, pois se estavam a elaborar um texto que porventura estaria até à frente do seu próprio tempo (no que diz respeitos às constituições), não se compreenderia, hoje, que a tutela do ambiente tivesse ficado de fora.
Portanto, a inovadora decisão de incluir a tutela ecológica na Constituição é acertada, na medida em que todo o nosso Direito do Ambiente ganha uma base constitucional onde possa assentar raízes, ganha também o ordenamento jurídico ambiental um rumo orientador do seu desenvolvimento e ganham também os cidadãos um critério específico de aferição da constitucionalidade material dos diplomas legais que pode ser usado em sede de fiscalização da constitucionalidade.
A Constituição de 1976, foi ainda mais inovadora no que toca o ambiente: incluiu-o no capítulo referente aos Direitos Sociais, logo, no catálogo dos Direitos Fundamentais, pelo menos formalmente.
É, pois, um avanço enorme, pois se o ambiente for um Direito Fundamental, está sujeito ao regime comum destes, o que inclui beneficiar de diversos princípios constitucionais como a universalidade (artigo 12º), igualdade (artigo 13º), o acesso aos tribunais (artigo 20º, que o professor Jorge Miranda considera aplicar-se a todos os Direitos Fundamentais e não apenas aos Direitos, Liberdades e Garantias como transparece do preceito).
Em sede de Direitos Fundamentais distinguem-se os Direitos Liberdades e Garantias (DLG) e os Direitos Económicos, Sociais e Culturais (DESC). Os primeiros encontram-se nos entre os artigos 24º a 57º da CRP 1976 e tem um benéfico regime próprio previsto entre os 17º a 23º da CRP. Os segundos vêm previstos nos artigos 58º a 79º e estão apenas sujeitos ao regime comum dos Direitos Fundamentais que a Constituição consagra os artigos 12º a 16º.
Embora exista esta diferenciação, todos são Direitos Fundamentais e reflectem um bem jurídico constitucional. O bem jurídico ambiente está sistematicamente protegido no âmbito dos DESC, pois é aí que se encontra o artigo 66º.
Assim, na Constituição, o ambiente será um Direito Fundamental, mais concretamente um Direito Social. Contudo a doutrina tem indagado se o ambiente será verdadeiramente um Direito Fundamental , rectius, se constituirá concretamente um direito subjectivo.
A questão da jusfundamentalidade do ambiente é resolvida pela própria CRP 1976 ao incluí-lo inequivocamente nesse âmbito. Já a questão de saber se o ambiente é um direito subjectivo é mais complexa.
Ensina o Professor Jorge Miranda, nas suas lições de Direitos Fundamentais, que os DESC não constituem verdadeiros direitos subjectivos enquanto não forem concretizados pelo poder legislativo, político ou administrativo do Estado, daí que os artigos que os prevêem, tenham sempre uma lista de incumbências que o Estado deve realizar de modo a que os DESC se concretizem em direitos subjectivos.
É um bom ponto de partida. Mas não chega para resolver a querela, pois o que divide, essencialmente, a doutrina é uma questão mais de fundo: será que existe, em absoluto, o direito subjectivo ao ambiente, não interessa se dentro ou fora da Constituição?
Para resumir um pouco a questão, que tem ocupado páginas infindáveis na nossa doutrina jus--ambientalista, a discussão doutrinária tem duas soluções: por um lado a do Professor Vasco Pereira da Silva, defensor acérrimo do ambiente enquanto direito subjectivo; por outro a visão de que o ambiente não é um direito subjectivo, que tem sido ultimamente encabeçada pela Professora Carla Amado Gomes.
Sumariando a discussão ao seu ponto fulcral, porque esta não é a única matéria que o presente artigo visa tratar, o ponto essencial acaba por ser a questão da titularidade do bem jurídico ambiente. Para os opositores à qualificação jurídica do ambiente como direito subjectivo, decisivo é o facto de o ambiente, por ser um bem comunitário, não será susceptível de apropriação individual, pelo que constituirá um interesse difuso; já para o Professor Vasco Pereira da Silva, o interesse só é difuso se visar somente um interesse público, e a tutela ambiental visa também, casuisticamente, interesses concretos e personalizáveis dos particulares.
Adopte-se a posição que se adoptar, inegável é importância da consagração constitucional do ambiente enquanto Direito Fundamental, que coloca a CRP 1976 na primeira linha de modernidade das constituições mundiais.
O artigo 66º, que prevê o ambiente como Direito Fundamental, não se esgota nessa previsão. Consagra também uma série de incumbências, que não sendo realizadas pelo Estado, ou se forem defeituosamente realizadas, dão origem a uma inconstitucionalidade por omissão ou por acção, respectivamente.
O mesmo preceito prevê os princípios estruturantes do nosso sistema jurídico-ambiental: a prevenção (e a precaução também, para alguns autores), o desenvolvimento sustentável, a racionalidade na utilização dos recursos e o poluidor-pagador.
Por fim, este preceito constitucional consagra ainda um dever (afinal a CRP 1976 não esqueceu totalmente os deveres...). Esse dever é o defender um ambiente sadio e ecologicamente equilibrado e impende sobre todos os cidadãos.
A previsão constitucional do ambiente não se esgota no artigo 66º. O artigo 9º, nas suas alíneas d) e e) fazem da efectivação dos direitos ambientais e da preservação das maravilhas da natureza, respectivamente, tarefas fundamentais do Estado.
Ficam assim consagradas constitucionalmente, segundo o Professor Vasco Pereira da Silva, as dimensões subjectiva e objectiva do ambiente: no artigo 66º afirma-se a primeira dimensão e no artigo 9º a segunda dimensão.


Autoria de Ilídio Monteiro Alves, número 16634, subturma 1 do 4º ano

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