sábado, 21 de maio de 2011

Embargos administrativos de ambiente

Com a finalidade de tutelar os direitos subjectivos das relações jurídicas no domínio ambiental, a Lei de Bases do Ambiente, no art. 42º, contempla um meio de garantia denominado por “embargos administrativos”. Trata-se do único meio jurisdicional específico para a defesa dos direitos subjectivos das relações jurídicas multilaterais. Assim:

“Aqueles que se julguem ofendidos nos seus direitos a um ambiente sadio e ecologicamente equilibrado poderão requerer que seja mandada suspender imediatamente a actividade causadora do dano, seguindo-se, para tal efeito, o processo de embargo administrativo”.

Em muitas situações em que a actuação da Administração tem efeitos lesivos para ambiente, é indispensável obter perante os tribunais uma regulação provisória, como seja uma ordem de suspensão imediata da actividade, no no sentido de acautelar o efeito útil da decisão final que vier a ser proferida, já que muitas vezes os danos se revelam irreparáveis.

Este preceito suscita vários problemas de interpretação que influenciam a determinação do seu conteúdo e respectivo regime jurídico.

1- Em primeiro lugar, cumpre saber se os embargos administrativos consubstanciam-se numa forma de actuação da administração ou num meio jurisdicional. Se por um lado, a designação “embargos administrativos” inculca a ideia de que se está perenta um meio administrativo, por outro lado, o artigo 45º LBA alude a um meio processual. Ora, nas palavras de FREITAS DO AMARAL, “não há nenhum processo de embargo administrativo que seja da competência dos tribunais (…): ou há embargos administrativos, que são da competência da Administração activa, ou há embargos judiciais, que são da competência dos tribunais”. A solução passa por fazer uma interpretação correctiva do artigo 42º de forma a considerar que a expressão legal não se identifica com um procedimento administrativo mas sim com um processo judicial, tendo em conta que a lei atribui competência para o efeito aos tribunais.
Assim: Embargos do ambiente = meio processual

2- Uma vez estabelecido que os “embargos do ambiente” correspondem a um meio processual a questão subsequente é a seguinte: são um meio processual do contecioso administrativo ou do processo civil? O disposto no art. 45º, nº1 aponta no sentido da segunda opção: efectivamente, e tendo em conta a anterior formulação do art. 45º, que atribuía o conhecimento das acções a que se referem os embargos do ambiente à competência dos tribunais comuns, os embargos “administrativos” são considerados como um meio processual do processo civil.
Assim: Embargos do ambiente = meio processual do processo civil

3- Por outro lado, suscita-se a questão de saber se estamos perante um meio principal ou acessório, ou seja, se consistem numa acção ou numa providência cautelar. Apesar do art. 45º, na sua anterior redacção, dirigir-se ao meio processual como uma acção, o pedido do particular nestas circunstâncias é o da “suspensão imediata” da conduta que provoca o dano ambiental – art. 42º - pelo que a conclusão é a de que este meio processual consiste numa providência cautelar destinada a proporcionar uma tutela provisória, e não definitiva, ao direito ao ambiente.
Assim: Embargos do ambiente = providência cautelar

4- A circunstância de os “embargos do ambiente” não terem sido regulados nem concretizados por legislação posterior impõe que se tome uma de duas opções: ou se entende que aquele meio apenas se tornará efectivo quando for completamente regulado, ou se faz corresponder os “embargos do ambiente” a um meio contencioso pré-existente, com o objectivo de garantir a imediata tutela dos direitos subjectivos em matéria ambiental. A segunda opção é a mais correcta, uma vez que procura salvaguardar a tutela judicial plena e efectiva dos direitos subjectivos dos particulares e adopta uma interpretação da expressão em análise conforme à Constituição – arts. 17º, 18º, 20º, 268º, nos 4 e 5 CRP. E foi esta, efectivamente, a solução do legislador, após a reforma do processo civil de 95/96.

A reforma do processo civil de 95/96 alterou a situação da tutela judicial do ambiente na medida em que se procedeu à reformulação das normas reguladoras do embargo de obra nova.

Reza o artigo 414º CPC que:

“não podem ser embargadas (…) as obras do Estado, das demais pessoas colectivas públicas e das entidades concessionárias de obras ou serviços públicos quando, por o litígio se reportar a uma relação jurídico-administrativa, a defesa dos direitos ou interesses lesados se dever efectivar através dos meios previstos na lei de processo administrativo contencioso”

A intenção do legislador parece ter sido a recondução dos embargos do ambiente aos meios contenciosos pré existentes.
Uma interpretação à contrario da nova redacção do artigo 414º CPC permite concluir que o embargo pode ser utilizado não só quando estejam em causa relações jurídico-privadas mas também contra entidades públicas, no âmbito de relações administrativas de ambiente, sempre que não exista um meio específico do contencioso administrativo.

Cumpre, deste modo, determinar, quais as situações em que existe um meio específico do contencioso administrativo.

a) Se a lesão do direito ao ambiente foi causada por um acto administrativo recorrível, uma vez que existe o mecanismo da suspensão da eficácia do acto, é ele o aplicável. A suspensão da eficácia do acto administrativo, prevista nos arts. 128º e segs. do CPTA, consiste numa providência cautelar susceptível de ser utilizada no âmbito das relações administrativas de ambiente, sempre que exista um qualquer acto administrativo recorrível.
Note-se que a utilização deste meio ao nível das relações de ambiente será limitada, tendo em conta que muitas das actuações administrativas lesivas do ambiente não decorrem de actos administrativos, mas sim de actuações de carácter técnico;

b) Se a lesão foi provocada por um privado no âmbito de uma relação administrativa multilateral, neste caso existe um meio específico do contencioso administrativo para paralisar essa actividade, que é a intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias. A intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias, prevista nos arts. 109º e segs. do CPTA, é um processo urgente que pode ser requerido quando a célere emissão de uma decisão de mérito que imponha à Administração a adopção de uma conduta positiva ou negativa se revele indispensável para assegurar o exercício, em tempo útil, de um direito, liberdade ou garantia, por não ser possível ou suficiente o decretamento de uma providência cautelar –nº1 do art. 109º. De acordo com o nº2 do referido preceito, a intimação também pode ser dirigida contra particulares, como concessionários;

c) Nos restantes casos de relações administrativas ambientais, e na ausência de outras providências cautelares específicas do contencioso administrativo, pode ser utilizado o embargo de obra nova (v.g. num caso onde se verifica uma lesão no ambiente causada por uma actuação administrativa de carácter técnico).


Resulta assim deste “novo” regime legal a vontade do legislador no sentido de proceder à equiparação da previsão legal do embargo do ambiente ao embargo de obra nova, como meio eficaz de tutela dos direitos subjectivos nas relações jurídicas ambientais, ainda que sem abdicar da utilização dos meios processuais do contencioso administrativo.
Mas desta opção do legislador ressaltam vários inconvenientes.
Desde logo, a mantém-se a dualidade de juridições em matéria de contencioso do ambiente (tribunais comuns nas acções referentes a embargo de nova obra VS tribunais administrativos nas restantes acções) que é alheia à natureza da relação jurídica em causa e que, como tal, poderá implicar a incompatibilidade deste regime legal com a CRP uma vez que nos termos do artigo 212º n.3 compete aos TA “o julgamento das acções e recursos contenciosos que tenham por objecto dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas. Por outro lado, esta dualidade de jurisdições potencia, como se compreende, a existência de conflitos positivos e negativos de jurisdição.

Crê-se que havia melhores alternativas.
Se poderá ser extremista – atenta a horizontalidade do Direito do Ambiente - a solução que passa pela criação de uma jurisdição autónoma para as questõas ambientais, mediante a criação de uma nova categoria de tribunais, para além das constantes do artigo 209º CRP, parece ser adequada a proposta de VASCO PEREIRA DA SILVA no sentido da criação de tribunais de competência especializada em razão da matéria nas jurisdições actualmente existentes (como sucede no direito alemão onde existem tribunais especializados em razão da matéria no âmbito da jurisdição administrativa). O poder judicial agradecia uma maior racionalidade e eficácia no seu funcionamento.
Por outro lado, o sistema ficaria a ganhar com a criação de meios processuais específicos de tutela do ambiente (quer principais, quer cautelares), susceptiveis de aplicação a todo o universo das relações jurídicas ambientais (públicas ou privadas).
Por fim, pode colocar-se a questão da constitucionalidade do regime legal dos embargos administrativos no que respeita à efectividade da tutela do direito do ambiente. De facto, a efectividade dos embargos do ambiente pode ser posta em causa devido à possibilidade de verificação de frequentes conflitos de jurisdição, e à existência de problemas de harmonização do embargo de obra nova com o universo do ambiente, tendo em conta que se trata de um meio originariamente concebido para a tutela de direitos reais e não de direitos que, em regra, apresentam uma natureza obrigacional, e, por outro lado, o pedido de suspensão de uma construção é diferente do pedido de cessação duma actividade poluente.

Bibliografia:


- Silva, Vasco Pereira; Da Protecção Jurídica ambiental – os denominados embargos administrativos em matéria de ambiente; Lisboa, 1997;

- Silva, Vasco Pereira; Verde Cor de Direito – Lições de Direito do Ambiente; Almedina, 2002

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