sábado, 21 de maio de 2011

A importância da Biodiversidade e a sua Protecção Jurídica



Biodiversidade e importância da sua protecção

A perda da biodiversidade é um dos maiores problemas ambientais com que a humanidade se debate actualmente, culminando com o aumento drástico de espécies em vias de extinção, ecossistemas em perigo e habitats naturais sob constante ameaça.

A actividade humana tem fornecido um contributo essencial para que nos deparemos com esta situação, seja pela expansão de centros urbanos e das vias de comunicação, o desenvolvimento industrial e tecnológico, a perpetuação de hábitos de vida pouco sustentáveis, as crescentes necessidades energéticas e consequente sobre-exploração dos recursos naturais; urge, portanto, inverter esta tendência, de forma a travar eficazmente o declínio da biodiversidade, caso contrário, poderemos estar perante uma situação catastrófica e irreversível. Esta conclusão pode não ser imediatamente evidente para quem perfilhe de um “Antropocentrismo Ambiental”, isto é, quem encarar o Ambiente sob o ponto de vista dos efeitos que poderá repercutir na esfera humana, facilmente compreende a relevância do ar puro e da qualidade da água, justificando a necessidade de investir nesses componentes ambientais, numa vertente meramente funcional, no sentido em que só se justifica a protecção dos bens ambientais que incidam sobre a qualidade de vida. Tal visão seria redutora, pois não só os bens ambientais proporcionam utilidades directas ao ser humano, como podem ser aproveitados de múltiplas formas e para fins distintos. O ser humano é um utilizador directo da biodiversidade nas mais diversas actividades, como por exemplo, a exploração florestal, a pesca, o turismo ou a agricultura. Ora, torna-se de facilmente inteligível que tem de cessar esta espiral desenfreada de consumo e de condutas reiteradas lesivas do Ambiente, sob pena de entrar num “caminho sem retorno”. O que tem de se entender é que o grande perigo inerente à degradação da biodiversidade reside no facto de não estar em causa um desastre meramente repentino, de repercussões imediatas, mas de uma sucessão e acumulação de pequenos acontecimentos que, a longo prazo, terão um impacto dramático, ou mesmo catastrófico, na medida em que viabilizam a ocorrência de danos irreversíveis e irremediáveis, ou seja, estamos na antítese do que se pretende com a tutela ambiental: Prevenir danos insusceptíveis de ser reparados!

Daqui se depreende que, como salienta o prof. Tiago Antunes, a biodiversidade deve ser entendida com “um importante valor ecológico, que presta serviços e confere vantagens inestimáveis à nossa civilização, revelando-se algo de essencial à vida e à saúde humanas. Daí a necessidade de salvaguardar e proteger os recursos naturais do planeta, com especial atenção para as espécies em risco de extinção e respectivos habitats”.


Protecção jurídica da biodiversidade

Do exposto retira-se a importância da necessidade de submeter a biodiversidade à tutela do Direito. O Ambiente é um “bem de todos”, um bem comum, que a sociedade considera valioso, sentindo a necessidade de o proteger. Desta feita, o Direito teve de intervir, de modo a regular a sua gestão, limitar a sua utilização e impedir a sua destruição.

Este surgimento de instrumentos normativos que versam sobre a protecção da biodiversidade têm-se caracterizado por incidir mais na fixação de objectivos e enunciação de princípios do que a criar um corpo jurídico robusto, que assegure uma rigorosa tutela da biodiversidade.

Contudo, já se dispõe actualmente de alguns institutos jurídicos precisos e efectivos na conservação de certas espécies em risco e respectivos habitats.


Ao nível internacional

O Direito Internacional Público foi precursor no tratamento jurídico da biodiversidade e tem funcionado como propulsor de novos e diversificados instrumentos de conservação da natureza.

Para Tiago Antunes, a Comunidade Internacional foi bastante eficaz, cingindo-se aos principais factores de risco, nomeadamente no tocante à necessidade de salvaguardar as zonas húmidas e de colocar um travão significativo ao comércio de espécies protegidas, através da Convenção de Ramsar, de 1971 (aprovada para ratificação em Portugal pelo Decreto n.º 101/80, de 9 Outubro) e pela Convenção internacional das espécies da fauna e da flora ameaçadas de extinção (CITES) (aprovada para ratificação em Portugal pelo Decreto n.º 50/81, de 23 de Julho), respectivamente. As primeiras, como verdadeiros santuários e viveiros naturais têm de ser objecto de particular atenção, e as segundas, porque se trata de uma das maiores ameaças à biodiversidade, razão pela qual se torna imperioso impedir estas transacções de espécies protegidas.

É, contudo limitado o alcance do direito internacional, dependente da vontade dos Estados, não sendo, por isso, o direito internacional que melhor concretizou este desígnio.


Ao nível europeu

Desde cedo que a Europa Comunitária se apercebeu da necessidade de se dotar de um regime uniforme e sólido de salvaguarda da biodiversidade. São disso exemplo as Directivas n.º 79/409/CEE, mais conhecida por Directiva das Aves; e a Directiva n.º92/43/CEE, mais conhecida por Directiva Habitats.

Não nos deixemos, porém, induzir em erro pelos nomes utilizados nesta gíria jurídica, uma vez que a Directiva das Aves não tem só por objecto a conservação de todas as espécies que vivem naturalmente em estado selvagem no território europeu, aplicando-se não só às aves, os seus ninhos e ovos, como também aos respectivos habitats. No mesmo sentido, a Directiva dos Habitats não tem só por objecto a conservação dos habitats naturais e das espécies, mas abrange igualmente a fauna e a flora selvagens.

É uma óptica que impulsiona a tutela da biodiversidade, visando ambas as Directivas, a constituição de uma rede ecológica europeia integrada de sítios com interesse para a conservação da Natureza e a preservação da biodiversidade, designada por “Rede Natura 2000”. A criação desta rede, à escala comunitária, bem como o regime de protecção aplicável aos valores naturais que nela se encontram localizados constituem o cerne do Direito europeu da Conservação da Natureza.

Contudo, as expectativas europeias não estão a atingir a meta preconizada, não estando o objectivo de travar a perda da biodiversidade na Europa a surtir o efeito por todos desejado.


Ao nível interno

Em Portugal, o legislador constituinte estabeleceu no art. 9º alínea e), como tarefa fundamental do Estado “defender a natureza e o ambiente” e “preservar os recursos naturais”, plasmando no seu art. 66º, num sentido convergente, a necessidade de “criar e desenvolver reservas e parques naturais e de recreio, bem como classificar e proteger paisagens e sítios, de modo a garantir a conservação da natureza e a preservação de valores culturais de interesse histórico ou artístico”. Como é sobejamente conhecido, tratam-se de comandos constitucionais, que requerem um preenchimento em legislação ordinária para que se tornem exequíveis, ou seja, para que sejam concretizados, viabilizando a sua efectividade prática.

A LBA prevê, nos seus artigos 28º e 29º, a elaboração de uma estratégia nacional de conservação e implementação de uma “rede nacional contínua de áreas protegidas, abrangendo áreas terrestres, águas interiores e marítimas e outras ocorrências naturais distintas que devam ser submetidas a medidas de classificação, preservação e conservação, em virtude dos seus valores estéticos, raridade, importância científica, cultural e social ou da contribuição para o equilíbrio biológico e estabilidade ecológica das paisagens”. A Resolução do Conselho de Ministros n.º 152/2001 vem aprovar a Estratégia Nacional de Conservação da Natureza e Biodiversidade (ENCNB), dando concretização ao previsto na LBA. Aqui são formuladas dez opções estratégicas, prendendo-se uma delas com a criação de uma Rede Fundamental de Conservação da Natureza, regulada pelo D.L. n.º 142/2008, de 24 de Julho. A RFCN engloba vários espaços naturais, sujeitos a um regime especial de protecção, dada a sua sensibilidade ecológica ou pela sua utilidade para a preservação da vida selvagem. Entre estes espaços contam-se as áreas protegidas, mas também outras áreas classificadas ao abrigo da Rede Natura 2000, ou de compromissos internacionais e ainda de certas áreas de continuidade, como as pertencentes à Reserva Ecológica Nacional (REN), à Reserva Agrícola Nacional (RAN) ou ao Domínio Público Hídrico (DPH).

Depreende-se daqui que existem vários institutos vocacionados para a conservação da natureza, estando enquadrados num esquema global integrado, isto é, de acordo com uma articulação em rede.

Contudo, apesar de o D.L. n.º 142/2008 fazer a junção de vários instrumentos jurídicos de tutela da biodiversidade, não lhes confere uma disciplina jurídica uniforme. Como refere José Mário Ferreira de Almeida, “a RFNC não é, como se esperava, o denominador comum dos regimes da Rede Nacional de Áreas Protegidas, da Rede Natura 2000 e outras áreas classificadas, da REN, da RAN ou do regime do DPH no que todos eles têm a ver com a salvaguarda do património genético existente em território nacional. É, tão só, o nome que se dá à soma de todos eles”. Assim, verifica-se que o Regime Jurídico da Conservação da Natureza e da Biodiversidade não contém, afinal, um regime jurídico harmonizado de conservação da natureza e da biodiversidade.

O que se verifica é um Direito nacional da Conservação da Natureza composto por múltiplos institutos, com finalidades semelhantes, mas com lógicas próprias e regimes jurídicos diferenciados, que se encontram dispersos por vários diplomas, o que pode ter um efeito contraproducente, na medida em que pode acabar por resultar de um “emaranhado complexo de obrigações e proibições legais que podem culminar numa dificuldade de compreensão do direito aplicável a cada caso, originando uma teia de procedimentos administrativos cruzados, redundantes ou até eventualmente, nalguns aspectos, contraditórios”.


Frederico Falcão, Subturma 8, N.º 15998

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