sábado, 21 de maio de 2011

A jurisdição dos tribunais administrativos e dos tribunais judiciais em matéria ambiental

Tendo presente que na ordem jurídica portuguesa existem duas ordens de jurisdições, a judicial e a administrativa, impõe-se saber quando é que uma demanda em matéria de ambiente deve ser submetida à analise dos tribunais judiciais e quando é que deve ser apreciada e julgada pelos tribunais administrativos.

Na sua versão originária, o art. 45.º da Lei de Bases do Ambiente (Lei nº 11/87, de 7 de Abril) determinava que a jurisdição competente para a apreciação de litígios sobre questões ambientais era a jurisdição comum, ou seja, a jurisdição dos tribunais judiciais.
No entanto, tal preceito não estava em consonância com o art. 212.º/3 da CRP. De facto, este último preceito estabelece que “compete aos tribunais administrativos e fiscais o julgamento das acções e recursos contenciosos que tenham por objecto dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais”.
Assim, de acordo com a Constituição, o que determina a competência dos tribunais administrativos é o carácter jurídico-administrativo da relação emergente do litígio em causa, seja em matéria ambiental ou outra.
Era exactamente por isso que, mesmo perante o teor literal do antigo art. 45.º LBA, o entendimento maioritário da jurisprudência portuguesa, até à reforma, ia no sentido de que se deveria fazer prevalecer o critério do art. 212.º/3 CRP em todos os casos.
Em suma, para se saber se uma demanda em matéria ambiental era submetida à análise de tribunais administrativos ou judiciais deveria verificar-se, em cada caso, se o litígio era de Direito Administrativo ou de Direito Privado, respectivamente.

Ora, com a reforma que entrou em vigor em 2004, foi modificada a redacção do art. 45.º LBA, pelo art. 6.º da Lei 13/2002 (Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais – ETAF), fazendo com que o primeiro preceito não mais se pronunciasse acerca da jurisdição competente para a apreciação de litígios em matéria de ambiente, direccionando a solução da questão para as leis processuais.

O art. 4.º/1, al. l) do ETAF passou assim a dispor que, sempre que o objecto da demanda seja uma infracção cometida por uma entidade pública contra o ambiente, o litígio deve ser da competência dos tribunais administrativos.
Sobre esta questão, explica o Professor Mário Aroso de Almeida que “o legislador prescinde de um critério material ou qualitativo de delimitação do âmbito das jurisdições: a competência da jurisdição administrativa depende apenas da circunstância de a agressão ao ambiente ser directamente levada a cabo por uma entidade pública”. Desta forma, conclui: “Assiste-se, assim, a uma ampliação do âmbito das questões que, no domínio dos litígios em matéria ambiental, passam a dever ser deduzidas perante a jurisdição administrativa.”

No entanto, não são apenas as agressões ambientais que são perpetradas por entidades públicas que são submetidas à apreciação dos tribunais administrativos, uma vez que inúmeros casos de agressões ambientais causadas por particulares também serão da competência destes.
Ainda segundo o Professor Mário Aroso de Almeida, “É que, desde logo, sucede quando a actividade do lesante seja desenvolvida ao abrigo de uma decisão administrativa ilegal”, e ainda “nas situações em que a actividade lesiva privada não se processe ao abrigo de decisão administrativa legalmente adoptada, mas em desconformidade com ela ou directamente com normas de direito administrativo aplicáveis”.

Quanto à competência dos tribunais administrativos, afirma a Professora Carla Amado Gomes que “no que tange aos bens ambientais, resta fundamentalmente uma situação excluída da jurisdição administrativa pela al. l) do art. 4.º/1 ETAF: trata-se da hipótese de prevenção, cessação e reparação da actividade lesiva de bens ambientais naturais levada a cabo por privados e que não represente o exercício de funções materialmente administrativas, a descoberto de qualquer autorização, legalmente exigível ou não.”
Pessoalmente, parece-me que sempre haverá a necessidade do exercício de funções materialmente administrativas. A limite, refiro-me ao dever de fiscalização que compete à Administração e que sempre fundamentará o recurso ao art. 4.º/1, al. l), pelo menos quanto à violação desse dever.
A partir daí, e uma vez que, pelo menos parcialmente, a questão deverá ser apreciada pelos tribunais administrativos, parece pouco coerente dizer que as demais apreciações a serem realizadas, e que podem coincidir, na integra, com actuações privadas, poderão ser analisadas por tribunais judiciais. É que tal hipótese, além de representar um incremento exponencial de custos para o particular que intente acção, poderá implicar certas desvantagens como conflitos negativos de competência, impossibilidades de prova e decisões contraditórias em jurisdições diferentes.

Em suma, ao admitir que o art. 4.º/1, al. l) ETAF é suficientemente amplo para caber, por exemplo, a violação do dever de fiscalização por parte da Administração, admite-se que as demandas em matéria ambiental cairão, inevitavelmente, na alçada dos tribunais administrativos. Posto isso, e sob pena de se admitirem incongruências a nível de distribuição de competência que podem levar, em última análise, à contradição do sistema pelo próprio sistema, então não se pode deixar de concluir todos os diversos pontos a propósito de cada demanda em matéria ambiental deverão cair, também eles, na alçada dos tribunais administrativos. No fundo, parece não restar outra hipótese do que a apreciação, na íntegra, das questões ambientais, pelos tribunais administrativos, dada a amplitude conferia a esta jurisdição em matéria ambiental, por via do art. 4.º/1, al. l) ETAF.

BIBLIOGRAFIA:

- Almeida, Mário Aroso de; O Novo Regime do Processo nos Tribunais Administrativos; 4ª ed.; 2007; Almedina

- Silva, Vasco Pereira da; Verde Cor de Direito – Lições de Direito do Ambiente; 1ª ed.; 2005; Almedina


Por: Raquel Nunes, 17511, subturma 1

Sem comentários:

Enviar um comentário