domingo, 15 de maio de 2011

A necessidade de intervenção do Estado na protecção do ambiente: a ineficiência do Teorema de Coase

§1.º Apresentação do problema


A produção de um bem ou serviço ocorre num contexto de interdependência social, o que torna inevitável a existência de externalidades – spillover effects – que impedem que o preço de um produto espelhe o custo ou benefício marginal que representa para a sociedade. Nos casos de externalidades negativas, o negócio que é vantajoso para dois agentes económicos impõe custos a um terceiro, o que leva a perdas de eficiência[1]. Entre os vários tipos de externalidades negativas, talvez as mais evidentes sejam aquelas que provocam danos no ambiente.


Importante é, como escreve Ronald Coase[2], notar que as externalidades apenas podem ser enquadradas numa relação bilateral. I.e., o poluidor não externaliza verdadeiramente enquanto não existir um vítima cuja proximidade seja suficiente para constituir um entrave ao desenvolvimento da actividade, pelo que a própria vítima também externaliza com a sua presença. O problema que deve ser resolvido é o de saber se A deve ser autorizado a lesar B ou se deve ser B autorizado a lesar A. A solução passará, necessariamente, por evitar a maior das lesões.


Ora, a consciência ecológica, manifestada numa dimensão individual e institucional[3], tem despertado a atenção para a necessidade de encontrar soluções de protecção ambiental. A descoberta dessas soluções não pode ficar à margem da economia. Como é hoje amplamente reconhecido pela doutrina da law and economics é um erro grave ver o mercado separado da sociedade e desconsiderar as consequências económicas das decisões jurídicas[4]. A responsabilidade pelo futuro exige que as decisões sejam economicamente eficientes, satisfazendo da melhor forma as finalidades, sem desperdiçar recursos, i.e., minimizando os custos e maximizando os benefícios, procurando um nível adequado de protecção ambiental ao menor custo.


§2.º A ineficiência causada pelas externalidades


Regra geral, o equilíbrio de mercado é encontrado na intersecção entre a curva da oferta e da procura. No entanto, na presença de externalidades, a curva da oferta das indústrias não irá incluir o custo marginal social, mas apenas os custos marginais privados, ou seja, aqueles que são directamente suportados pelos produtores. Porém, a eficiência requer que o custo marginal social seja igual ao benefício marginal de aumentar a produção. Consequentemente, as externalidades colocam o nível eficiente de produção num ponto inferior ao nível de equilíbrio do mercado[5]. No fundo, a produção de bens e serviços transaccionados no mercado, caso existam externalidades, vai implicar, para os produtores, um custo menor do que essa produção acarreta para o todo da sociedade. Assim, se à curva da oferta, que representa o custo privado, somarmos a externalidade negativa, a curva deslocar-se-á no sentido da retracção[6].


Isto significa que a intervenção correctora da falha de mercado deverá orientar-se no sentido de uma retracção da oferta, o que implicará um abrandamento de produção e uma subida de preços, de forma a evitar a sobreprodução de bens que geram externalidades negativas[7].


§3.º Soluções privadas: o teorema de Coase


Em alguns casos, os mercados privados conseguem lidar com as externalidades sem a intervenção pública. Partindo da ideia de reciprocidade, Coase associa os problemas de externalidades a “conflitos de utilização de recursos naturais”, cuja resolução não deverá passar por uma análise objectiva do valor social de cada actividade em conflito, raciocínio que seria demasiado complexo. A alternativa será, então, a internalização das externalidades pelo mercado.


Alcançar o “nível óptimo de poluição” é o objectivo do teorema, já que uma total eliminação da poluição seria um incomportável entrave à economia. Assim, deverá ser eliminada a poluição correspondente ao excesso entre as vantagens socialmente obtidas pelas actividades poluidoras e os prejuízos socialmente causados pela poluição[8], i.e., o custo marginal. Ora, o mercado só funcionará de forma eficiente se não existirem custos de transacção[9], ou seja, todos aqueles custos em que se incorre para chegar a um entendimento, baseado na realidade dos factos e na complexidade jurídica subjacente. Podem ser custos de busca de oportunidades de troca, custos de determinação dos preços relevantes, identificação das partes interessadas, custos de negociação, coordenação, etc. Em última análise, custos de oportunidade[10].


Adicionalmente, terão de existir direitos de apropriação bem definidos, porque os “property rights” garantem a reacção espontânea do titular dos direitos contra as externalidades negativas e facilitam a identificação dos beneficiários das externalidades positivas. As ideias chave do pensamento de Coase são, então, a reciprocidade das externalidades, apropriação dos bens ambientais, identificação dos titulares de direitos e inexistência de custos de transacção.


Porém, a plena eficiência dos mercados só será atingida, defende o Autor, caso o Estado não intervenha no seu funcionamento. A intervenção estatal deverá ser limitada à atribuição de direitos de poluir, de direitos sobre os recursos naturais que forem de acesso livre, à criação de garantias que protejam os direitos atribuídos aos agentes económicos, bem como, excepcionalmente, em casos em que o mercado se revele completamente ineficiente, por serem demasiado elevados os custos de transacção.


§ 4.º Balanço crítico


Coase esquece, na construção do seu teorema, a relevância do factor tempo. Porém, os problemas ecológicos não se compadecem com um modelo de negociações, de procura de preços de mercado, tendencialmente sem prazo de conclusão e apenas preocupados com a racionalidade económica. Falta, portanto, a introdução de uma ética em que o mercado deve assentar, que tome em conta a durabilidade do desenvolvimento e consequente sustentabilidade[11].


Esquece, também, que nem todos os bens naturais são susceptíveis de apropriação, até porque não podem ser delimitados temporal e espacialmente, como é o caso do oxigénio, da água ou do carbono. No fundo, o caso dos bens públicos. Por outro lado, os custos de transacção nunca serão efectivamente eliminados, pelo que teremos de reconhecer a dificuldade de verificação prática dos requisitos de uma verdadeira “negociação coseana”, até porque, em última instância, existe sempre o custo tempo. Acresce que as falhas de informação, inevitáveis numa negociação em que o que se pretende é a solução economicamente mais vantajosa[12], acabarão por resultar em ineficiências no mercado. Todos estes factores evidenciam, como defende Stiglitz[13], a necessidade de intervenção governamental.


A intervenção pública passará, portanto, por duas grandes categorias de soluções: as market-based solutions e as command-and-control approaches. As soluções baseadas no mercado passarão pela imposição de impostos pigouvianos, pela atribuição de subsídios no combate à poluição ou pela criação de um sistema de quotas negociáveis. A regulação poderá passar por uma imposição de standarts ambientais ou por uma regulação dos inputs, bem como pela imposição de cláusulas MTDs.



[1] Cf. Fernando Araújo, Introdução à Economia, Coimbra, 2006, p. 541.
[2] “The problem of social cost”, Journal of law and economics, Outubro 1960, disponível em http://www.sfu.ca/~allen/CoaseJLE1960.pdf.
[3] Acentuando estas duas dimensões, cf. Vasco Pereira da Silva, Verde cor de direito. Lições de direito do ambiente, Coimbra, 2005, p. 20.
[4] Cf. Margaret Oppenheimer/ Nicholas Mercuro, Law and economics: alternative economic approaches to legal and regulatory issues, USA, 2005, p. 3.
[5] Cf. Joseph E. Stiglitz, Economics of the public sector, London, 2002, p. 217.
[6] Cf. Fernando Araújo, Introdução…, cit., p. 547.
[7] Cf. Stiglitz, Economics…, cit., p. 216.
[8] Cf. Maria da Glória Garcia, O lugar do direito na protecção do ambiente, Coimbra, 2007, pp. 178 e 180.
[9] Cf. Ronald Coase, “The problem…, cit.
[10] Cf. Fernando Araújo, Introdução…, cit., pp. 557 ss.
[11] Cf. Maria da Glória Garcia, O lugar…, cit., pp. 186 ss.
[12] Uma estrita racionalidade económica resultará num incentivo em não revelar toda a informação necessária para uma determinada negociação. Cf. Stiglitz, Economics…, cit., p. 222.
[13] Economics…, cit. pp. 223 ss.

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