sábado, 21 de maio de 2011

O diferimento tácito no Regime de Exercício da Actividade Industrial (Decreto-Lei nº 209/2008 de 29 de Outubro)

O Regime de Exercício da Actividade Industrial (REAI) prevê em diversos preceitos a formação de actos tácitos ou silentes de diferimento (art. 18.º/2/b), 25.º, 31.º, 38.º e 42.º), tanto no âmbito do procedimento de autorização prévia, a nível da autorização de instalação e da licença de exploração, como no âmbito do procedimento de declaração prévia, como ainda do procedimento de registo.

A grande vantagem do diferimento tácito, consiste no facto de o silencia ou a demora da Administração não prejudicarem o requerente, não tendo este que ficar numa situação de indefinição enquanto a Administração não decide, podendo imediatamente após o curso do prazo legal, iniciar a instalação ou a exploração da actividade industrial pretendida. A par do exposto, o diferimento tácito também constitui um factor acrescido de pressão para que a Administração actue dentro dos prazos legais, sobretudo quando pretende recusar a pretensão da partícula ou impor-lhe certas exigências e condicionamentos.

Apesar do enunciado supra, à que referir que o diferimento tácito é um mecanismo jurídico que esta longe de ser consensual ou genericamente bem recebido, pois é um mecanismo jurídico muito criticado por diversas pessoas, nomeadamente no que diz respeito à aplicação deste mecanismo a procedimentos de cariz ambiental. Contudo este é um mecanismo que cada vez é mais comum no nosso ordenamento.

As críticas a este regime são compreensíveis, na medida em que se corre o risco de fruto do mau funcionamento ou laxismo da Administração, certas indústrias poluidoras ou aboletas do ponto de vista ambiental acabarem por ser tacitamente viabilizadas.

No âmbito da analise do diferimento tácito no REAI, cabe destacar pela negativa a forma como o art. 31.º/1 do REAI construiu o diferimento tácito, condicionando a sua formação a determinados pressupostos cujo preenchimento não é automático ou linear.

O art. 31.º/1, afirma que “decorrido o prazo para a decisão sobre o pedido de licença de exploração sem que esta seja concedida e não se verificando nenhuma das causas de indeferimento previstas no nº6 do artigo anterior, considera-se tacitamente deferida a pretensão do particular”. Acontece que contrariamente às demais alíneas do artigo 30º/6, cuja verificação é factual e unívoca, a alínea a) prevê a desconformidade das instalações industriais com condicionamentos legais e regulamentares ou com condições fixadas na decisão final do pedido de autorização, ou seja, neste caso o diferimento tácito tem como condição negativa a violação da lei (por outras palavras, toda e qualquer desconformidade legal ou regulamentar, por mais insignificante ou controvertida que seja). Assim qualquer desconformidade legal ou regulamentar obsta à formação de um acto tácito de deferimento, não se admitindo assim actos de deferimento tácito ilegais.

Contudo, há que reconhecer que muitas vezes as situações da violação da lei não são evidentes ou imediatamente perceptíveis, mas mesmo quando não passem despercebidas, nem sempre essas situações são lineares, podendo existir leituras ou entendimentos diferentes, consoantes os intérpretes ou a instância competente. Assim, podemos afirmar que nem sempre é óbvio se estamos ou não perante uma violação da lei. Ainda para mais, há que ter em conta que nos encontramos perante projectos de instalações industriais com um elevado nível de pendor técnico, que se conformam com um conjunto de exigências específicas ou requisitos técnicos muito pormenorizados, que geralmente se encontro dispersos por diversos diplomas avulsos.

Ainda assim, os particulares têm a necessidade de saber se dispõem ou não de um acto tácito de diferimento ao abrigo do qual possam iniciar o exercício da actividade industrial, se decorrido o prazo que a Administração tinha para se pronunciar, esta não o tiver feito.

Se os operadores dessa actividade, estiverem convencidos quanto à existência desse diferimento, provavelmente arriscarão o inicio da actividade, mas caso não estejam convencidos quanto a este é muito duvidoso que avancem com o investimento necessário para iniciar a actividade. Daqui decorre a necessidade de os criterios segundo só quais se forma um diferimento tácito deverem ser muito objectivos de verificação linear, dispensando assim qualquer forma de clarificação administrativa. Doutra forma coloca-se em causa o próprio objectivo que esteve subjacente à criação do regime do diferimento tácito e à ideia de evitar que os particulares tivessem de esperar pela pronúncia da Administração para poderem iniciar a actividade ou adoptar o comportamento em causa.

Existe quem invoque para este caso a necessidade de existir uma certeza jurídica que advêm da emissão pelo gestor do processo de uma certidão comprovativa do deferimento tácito. Este argumento não parece proceder, pois isso equivaleria a conferir ao gestor do processo o poder de apreciar o pedido do particular e pronunciar-se quanto à sua legalidade.

Segundo o art. 31.º/a do REIA, o diferimento tácito da licença de exploração apenas se forma quando as instalações industriais em causa cumpram todos os condicionamentos regulamentares e legais. Então para que o gestor do processo pudesse emitir a licença, teria de certificar-se que essas instalações cumprem todos os parâmetros legais verificando-se assim uma transferência encapotada de competências da entidade coordenadora e demais entidades administrativas intervenientes para o gestor do processo, o que não é minimamente praticável, nem o gestor tem o perfil, tempo ou o conhecimento especializado para avaliar as instalações industriais e ajuizar a sua conformidade ou não com a lei. Este também não parece ter sido o espírito do legislador.

Admitindo que o gestor do processo emite uma certidão comprovativa do diferimento tácito, caberia saber qual o valor dessa certidão. Seria uma espécie de caso julgado que blinda o acto tácito contra qualquer invocação de ilegalidade? Não parece fazer sentido que assim seja, e sobretudo não faz sentido que uma mera certidão emitida pelo gestor do processo vincule toda e qualquer entidade administrativa, muito menos os tribunais, quanto à legalidade de uma concreta licença de exploração. Assim poderá sempre invocar-se a ilegalidade dessa mesma certidão, sendo a própria formação do acto tácito fica em dúvida. Conclui-se assim de que a certidão em apreço de pouco serve. Apesar de tudo caso isto aconteça seria sempre defensável a possibilidade de o particular exigir uma indemnização com base no princípio da confiança jurídica.

Acresce a isto que fazer depender a formação de um diferimento tácito do cumprimento da lei, é confundir a existência do acto com a sua validade, pois um acto administrativo que incorra numa causa de anulabilidade, não deixa de existir por esse facto, este até pode produzir efeitos jurídicos, e quem sabe ate vir a ser convalidado, tornando-se inimpugnável, pelo que não se pode invocar um fundamento de anulabilidade como condição negativa da própria formação do acto.

Concluindo, o art. 31.º/1 do REAI, consagrou a figura do diferimento tácito de uma forma bastante criticável e geradora de várias complicações. Contudo há que reparar-se que nos outros artigos do diploma referentes ao diferimento tácito como, houve a preocupação de evitar este mesmo problema.

Ou seja, o legislador não ignorou em absoluto a problemática que foi enunciada supra, pelo contrário, teve-a presente e até a contornou expressamente pela forma como redigiu o art. 38.º do REAI. Fica-se assim sem perceber o porque desta redacção do art. 31.º/1 do REIA.

Frederico Pereira (aluno nº - 17293)

Subturma 3

Sem comentários:

Enviar um comentário