sábado, 21 de maio de 2011

O ambiente: direito ou interesse?

A consideração do direito ao ambiente como um direito subjectivo ou como um interesse jurídico difuso tem suscitado largas querelas na doutrina.

Como acérrimo defensor da natureza de direito subjectivo do direito ao ambiente, o Professor Vasco Pereira da Silva vem tentar afastar todas as principais críticas que são dirigidas à sua concepção, como forma de provar que esta é a solução a adoptar.
Pessoalmente, parece que a maioria dos argumentos aduzidos pelo Professor não podem deixar de ser subscritos.
Em primeiro lugar, de facto, não é por a teoria dos direitos subjectivos públicos ter andado, historicamente, ligada a concepções positivistas e estatistas que vem a perder o seu mérito dogmático. Além disso, é verdade que o reconhecimento de direitos subjectivos perante as entidades públicas, conferindo aos particulares um estatuto que lhes permitisse lidar com estas num plano de igualdade, é uma decorrência do princípio da dignidade humana. E mais, é certo que, a reconhecer-se um direito subjectivo ao ambiente, evitar-se-ia uma complexa separação entre direitos fundamentais e demais direitos subjectivos públicos.
Em segundo lugar, admite-se perfeitamente que não proceda a objecção da diversidade e multiplicidade dos direitos fundamentais, já que, nas palavras do Professor, “A diversidade e multiplicidade dos direitos fundamentais, como dos demais direitos subjectivos públicos, é antes uma realidade inevitável nas sociedades complexas dos nossos dias, sem que isso signifique pôr em causa a respectiva natureza jurídica substantiva”.
Em terceiro lugar, também não é por os direitos fundamentais apresentarem uma multiplicidade de sujeitos a que se referem que isso os impede de serem considerados direitos subjectivos, já que, conforme alerta o Professor, isso seria confundir titularidade do direito e previsão legal.
Em quarto lugar, admite o Professor que não é a insusceptibilidade de apropriação individual do bem jurídico que impede a sua consideração como direito subjectivo.
Em quinto lugar, vem o Professor dizer que, não admitir o direito ao ambiente como um direito subjectivo é trazer para o presente os traumas da “infância difícil da Administração” em que se estabeleciam relações de poder tais que os particulares nunca gozavam de direitos subjectivos, mas tão-só de “interesses” similiares, ou opostos nos da Administração.

Ora, com o devido respeito, impõem-se algumas questões, que têm que ser aqui levantadas.
Relativamente ao primeiro argumento do Professor, para que ele apenas prova o quão útil seria a consideração do direito ao ambiente como um direito fundamental, não sendo suficiente para convencer o intérprete de que, de facto, essa é a situação real.
Quanto ao segundo argumento apresentado e, parcialmente, seguindo a mesma linha de raciocínio, só se pode concluir que, de facto, existem direitos fundamentais que são susceptíveis de serem considerados direitos subjectivos mas, mais uma vez, não parece convincente a ideia de que é esse o caso do direito (fundamental) ao ambiente.
Quanto ao terceiro argumento, não há, de facto, objecções a levantar, uma vez que, de facto, a defesa de tal ideia só se pode basear numa confusão daqueles dois conceitos.
Quanto ao último argumento, o quinto, não se pode deixar de dizer que, não é por uma solução trazer à memória os “traumas de infância” que ela deixa de merecer reconhecimento, sobretudo se tivermos em conta que esses traumas se consideram ultrapassados e, portanto, não impedem a boa interpretação actual.
Para último, deixou-se a análise do quarto argumento apresentado pelo Professor: o de que a insusceptibilidade de apropriação individual não impede a consideração de tal realidade como um direito subjectivo.

Defende o Professor que «não é o bem “ambiente”, de natureza colectiva ou pública, que é apropriável, antes se trata de considerar que tal bem pode dar origem a relações jurídicas, em que existem concretos direitos e deveres, decorrentes da sua fruição individual. Porque uma coisa é a tutela objectiva do bem ambiente, outra coisa é a ponderação jurídica subjectiva ambiental, decorrente da existência de um domínio individual constitucionalmente protegido de fruição ambiental, que protege o seu titular de agressões ilegais provenientes de entidades públicas (e privadas).»
Ora, daqui parece resultar, salvo melhor leitura, que o Professor afasta a ideia de protecção reflexa e defende a tese de direito subjectivo, para depois vir admitir que não há apropriação individual e a protecção legal servirá sim como meio de defesa daquele valor – sendo, precisamente, essa a ideia associada a todas as figuras de protecção reflexa.

Comparando as noções em causa, o Professor Vasco Pereira da Silva defendendo a teoria do direito subjectivo, defende que «A Constituição estabelece, portanto, uma posição substantiva de vantagem, que é conferida aos particulares para a realização dos seus próprios interesses, e que é de configurar como um direito (de “defesa” contra uma agressão ilegal), no âmbito de uma relação jurídico-pública de ambiente.», enquanto que o Professor Menezes Cordeiro, ao apresentar a noção de situação jurídica activa correspondente a uma protecção reflexa, expõe que “há, no entanto, outra [além da atribuição de direitos subjectivos] técnica para conferir vantagens às pessoas: consiste ela em fazer incidir, numa generalidade de pessoas, normas de comportamento que acabem por acautelar certos interesses. Assim, haverá um beneficiário ao qual, não sendo atribuída qualquer permissão, se concede uma certa tutela, através dos deveres assacados a terceiros: surge uma protecção reflexa.”.
Assim, com a devida vénia, parece que não pode deixar de se concluir que ambos os autores estão a referir-se à mesma realidade substantiva e que esta, por sua vez, não pode deixar de se considerar distinta da noção de direito subjectivo, não sendo portanto, quanto a este ponto, procedente a argumentação do Professor Vasco Pereira da Silva.

Em suma, parece efectivamente que não se pode falar em direito subjectivo ao ambiente, uma vez que lhe falta a própria subjectivização, decorrente do facto de o bem jurídico em causa não poder ser integrado na esfera jurídica de cada um dos seus supostos titulares e não podendo ser, sequer, globalmente considerado enquanto tal.
Assim, para as concretas posições de defesa que possam vir a ser exercidas, parece mais adequado fazer valer a noção de interesse difuso, uma vez que estamos perante uma posição jurídica sem titularidade certa e que não é mais do que a refracção, em determinado sujeito, de interesses públicos que podem ser promovidos por diversas formas. Esta situação pode, perfeitamente, assegurar a tutela jurídica de determinadas situações, sendo que essa tutela vem a ser, num plano prático e de defesa dos interesses em jogo, exactamente igual à dos direitos subjectivos.


BIBLIOGRAFIA:

- Cordeiro, António Menezes; Tratado de Direito Civil Português – Parte Geral, Tomo I; 3ª ed.; 2007; Almedina

- Silva, Vasco Pereira da; Verde Cor de Direito – Lições de Direito do Ambiente; 1ª ed.; 2005; Almedina


Por: Raquel Nunes, 17511, subturma 1

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