domingo, 15 de maio de 2011

O Pacote Climático da União Europeia

As cada vez mais notórias e frequentes mudanças climáticas sentidas no nosso quotidiano, bem como os cada vez mais numerosos relatórios e estudos que apontam para a insustentabilidade do planeta Terra lançaram um sério alerta aos responsáveis e entidades com papel preponderante no desenvolvimento global. A União Europeia (UE) foi tomando consciência deste problema e em 2007 decidiu dar um passo pioneiro e exemplar no combate às alterações climáticos. Foi então apresentado pela Comissão Europeia (CE) um pacote legislativo específico para o combate às alterações climáticas que desde logo gerou consenso quer do Parlamento Europeu quer de todos os Estados-Membros (EM).
Este pacote climático foi elaborado especialmente a pensar no futuro, mais concretamente nos objectivos a alcançar até ao fim da segunda década do milénio. Assim, os líderes europeus comprometeram-se a alcançar até 2020 três objectivos a nível da UE: a redução das emissões de gases com efeito de estufa em 20 por cento; o aumento para 20 por cento da quota-parte das energias renováveis; e o aumento em 20 por cento da eficiência energética.
Estes três grandes objectivos, motivo central da elaboração deste pacote climático, assim o crê a UE, irão permitir atingir cinco princípios fundamentais e exemplares. São eles:
• Consciencialização dos europeus, sobre a realidade desta problemática e a necessidade emergente da sua mudança, a fim de dar o exemplo ao resto da população e entidades mundiais.
• Equidade no desenvolvimento de esforços dos EM para alcançar os objectivos estabelecidos. O esforço de cada Estado deve, assim, ser proporcional às suas possibilidades.
• Relação de custo-eficácia que garanta, apesar do investimento, uma estabilidade económica e pelo menos uma manutenção da competitividade internacional da UE.
• Inovação tecnológica ao nível da indústria e das energias alternativas a fim de aumentar e melhorar a eficiência energética.
• Promoção de um acordo global internacional para o combate às alterações climáticas tendo por base as medidas proposta pela UE e fixando um objectivo mais ambicioso a longo prazo.

Apesar dos objectivos serem ambiciosos e se centrarem nos principais factores que contribuem para as mudanças climáticas, não geraram, de modo algum, um consenso da parte de todos os EM da UE.
A contestação que se gerou em torno deste pacote não dizia respeito aos objectivos por ele estabelecidos, uma vez que foram acordados com parecer favorável de todos os EM, mas sim às medidas concretas propostas pela CE para atingir os mesmos.
De entre as principais medidas que motivaram discórdia de alguns EM destaca-se o pagamento de licenças de emissão de dióxido de carbono por parte das indústrias pesadas e o mecanismo de solidariedade que previa que os países mais ricos cedessem dez por cento das licenças de emissão aos países menos desenvolvidos.
Esta resistência às medidas previstas no pacote proveio essencialmente dos países de Leste, encabeçados pela Polónia, da Alemanha e também da Itália. Os argumentos apresentados por este conjunto de países contra tais medidas fundavam-se em três grandes pontos: Impacto nas economias nacionais; Forte dependência dos combustíveis fósseis; Aumento do desemprego.
Quanto ao primeiro ponto, com a crise financeira internacional os países de leste receavam que as medidas propostas se tornassem num factor de retrocesso das suas economias. Concretamente o pagamento de licenças de emissão era vista como uma medida que aumentaria as despesas e os custos energéticos o que se reflectiria numa diminuição do crescimento económico destes países face aos mais desenvolvidos.
Já para países desenvolvidos como a Alemanha e a Itália a cedência de dez por cento das licenças de emissão aos países menos desenvolvidos, e também o próprio pagamento destas licenças, era vista como factor de desigualdade e de perda de competitividade internacional.
No que diz respeito à forte dependência dos combustíveis fósseis a contestação surge, mais uma vez, dos países de leste. Nestes países, recursos como o carvão e o gás natural são responsáveis por mais de oitenta por cento da produção de electricidade e calor. Desta forma as medidas propostas pela comissão para reduzir a dependência dos combustíveis fósseis e aumentar o investimento nas energias alternativas são vistas como demasiado repentinas e penalizadoras para estes países, ainda excessivamente dependentes das fontes de energia não renováveis.
Por fim o último factor, o aumento do desemprego, foi motivo de preocupação, não apenas dos países de leste, mas também novamente da Alemanha e Itália. Com o aumento das despesas e dos custos energéticos, resultantes das medidas propostas, estes países ver-se-iam obrigados a prescindir do serviço de alguns dos seus trabalhadores.
Face a toda esta forte contestação, a CE e a Presidência Francesa da UE tiveram que iniciar um cuidadoso diálogo com estes países de modo a que vissem a maioria das suas preocupações resolvidas.

O intensivo e cuidadoso diálogo durou praticamente durante toda a presidência francesa mas por fim foi possível chegar a um acordo, definitivamente consagrado no último CE.
Como era de esperar foi necessário fazer algumas cedências para que se pudesse chegar ao tão desejado acordo em torno do pacote climático. A maioria destas cedências teve de ser feita pela parte mais interessada no acordo, a UE, que atendeu assim às vontades particulares dos EM que se opunham ao pacote.
A cedência da parte da UE foi feita nas medidas que alguns dos EM mais contestaram e que acima apresentamos.
Assim, quanto à questão mais discordante, a do pagamento das licenças de emissão de dióxido de carbono por parte das indústrias pesadas, a UE permitiu que os países, cuja economia dependesse essencialmente dessa indústrias e estive sujeita a forte concorrência externa, possam obter tais licenças de forma gratuita se virem os seus custos de produção aumentarem mais de cinco por cento. Esta medida não se aplica a todo o tipo de indústria, mas é curioso destacar que esta isenção se aplica maioritariamente às indústrias mais poluente como a do aço, cimento ou papel.
Relativamente à questão do mecanismo de solidariedade, que previa a cedência, da parte dos países mais ricos, de dez por cento das licenças de emissão aos países menos desenvolvidos, também esta foi solucionada. Assim, será o orçamento comunitário a suportar, com cerca de quarenta mi milhões de euros, os custos de investimento em energias alternativas nos países menos desenvolvidos. Este investimento passará também pela criação de novos postos de trabalho pondo fim a mais uma importante preocupação, a do possível aumento do desemprego, expressa pelos países contestatários do pacote. Da mesma forma se evita que as economias nacionais possam ser fortemente penalizadas pelo investimento nestas novas formas de energia, salvaguardando, uma vez mais, os interesses particulares dos EM.
Resolvidas as questões que preocupavam especialmente os países de leste, a Alemanha e a Itália e que constituíram motivo de desacordo sobre este pacote climático, foi, assim, possível alcançar o tão desejado acordo que começará desde logo a produzir os seus efeitos.

Apesar da forte crise financeira e do seu impacto a nível mundial, a Europa não deixou de prosseguir o combate às alterações climáticas, mostrando que ainda consegue ser pioneira no que diz respeito a um futuro sustentável do planeta. Contudo mais uma vez a União Europeia teve que ceder a exigências particulares dos Estados-Membros para ver concretizado o seu interesse comunitário.

“Não há continente no mundo que se tenha dotado de regras assim tão restritas como as que nós adoptámos hoje por unanimidade” (Nicolas Sarkozy).

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