domingo, 8 de maio de 2011

O Principio do poluidor-pagador e qual o seu alcance prático em Portugal?

Como introdução a este tema, e de uma forma mais simplificada, podemos dizer que o principio do poluidor-pagador (PPP) consiste em obrigar o agente poluidor a pagar os custos da reparação do dano por ele causado ao meio ambiente.

Este principio tem consagração comunitária no art 174-2 do Tratado da União Europeia onde aparece, no âmbito da política da Comunidade a nível ambiental, como um dos meios para atingir o objectivo de um “nível de protecção elevado, tendo em conta a diversidade das situações existentes nas diferentes regiões da Comunidade”; podemos também, segundo o Prof. Vasco Pereira da Silva extrair uma manifestação deste princípio do art 66-2 h) CRP ao impor ao Estado a tarefa de “assegurar que a politica fiscal compatibilize desenvolvimento com protecção do ambiente e qualidade de vida”.

Ora, conforme entende o Prof. Vasco Pereira da Silva estamos perante um principio que, conjuntamente com os outros princípios fundamentais da prevenção, do desenvolvimento sustentável e do aproveitamento racional dos recursos naturais, devido à sua novidade carece ainda dum maior tratamento e aprofundamento cientifico e jurídico e é nesses termos que cumpre analisar a seguinte questão: qual será o alcance prático do PPP relativamente à protecção do meio ambiente?

As concretizações do PPP são na União Europeia e em Portugal ainda escassas, apesar de terem já havido várias tentativas de lhes dar efectividade, tem faltado o consenso necessário para poder dar prosseguimento aos projectos.

Creio que, primeiramente, é importante referir que o objectivo maior do princípio do poluidor pagador é fazer não apenas com que os custos das medidas de protecção do meio ambiente (as externalidades ambientais) sejam suportados pelos agentes que as originaram, mas também que haja a correcção e/ou eliminação das fontes potencialmente poluidoras. Resumidamente, o Princípio do Poluidor-Pagador tem três funções primordiais: a de prevenção, reparação e a de internalização e redistribuição dos custos ambientais.

Julgo ser da maior relevância teórico-prática abordar o assunto pelo prisma dos instrumentos financeiros como meio de realização do PPP, pelo que cumpre atentar a alguns aspectos.

Ora, em primeiro lugar, os tributos ambientais como instrumento de protecção do meio ambiente podem surgir por meio da tributação activa, que consiste na cobrança de tributos voltados ao controlo da poluição, ou através da concessão de benefícios fiscais pela abstenção da cobrança de tributos sobre técnicas que reduzam os níveis da poluição.

A questão da eficácia prática do PPP não se coloca tanto no caso da concessão de benefícios fiscais, que resultam como uma forma de incentivo quer à manutenção da prática de comportamentos ambientalmente adequados desses agentes, quer à alteração de comportamento dos demais agentes poluidores. Os benefícios fiscais ambientais podem ser entendidos como instrumentos de estímulo positivo que, por meio da diminuição ou até mesmo da supressão da carga tributária, buscam incentivar a alteração de comportamento dos agentes poluidores.

Quanto à finalidade destes instrumentos fiscais podemos classificá-los em: tributos extra-fiscais os que atendem a fins que não a arrecadação de receita, mas geralmente à correcção de situações sociais indesejadas e à condução da economia, e tributos fiscais que têm como finalidade primordial a arrecadação de receita. Desta perspectiva, os tributos ambientais são extra-fiscais pelo facto de servirem de instrumento de estímulo à adopção de condutas menos poluentes, mais que para arrecadação de receita.

Podemos ainda apontar a classificação entre os tributos ambientais em sentido próprio/estrito e tributos ambientais em sentido impróprio/amplo. Os primeiros possuem fim extra-fiscal, visam a alteração de comportamentos pelos agentes em plena materialização da politica ambiental, e não a arrecadação fiscal, que é encarada como acessória; os segundos são os tributos criados com vista à arrecadação de receitas mas entendidos como ambientais em razão da consignação destas receitas à realização da politica ecológica.

Ora, após estas breves notas, podemos dizer em suma que a ideia principal da tributação ambiental activa seria solucionar as externalidades negativas limitando comportamentos poluentes e minimizando os custos ambientais. No entanto, será que na prática esta tarefa é conseguida? Na minha opinião, ainda há um longo caminho a percorrer nesta matéria.

A questão, no meu entendimento, central e que coloca mais problemas ao nível da eficiência prática do PPP encontra-se no seguinte: na maioria dos casos, o imposto (ou taxa) a pagar pelas externalidades negativas causadas pelo agente poluidor, não tem qualquer efeito na consciencialização do agente para as questões ambientais e para fazer cumprir a tarefa da protecção do ambiente e da qualidade de vida. Colocando a questão noutros termos, creio que, essencialmente, o que sucede nas grandes empresas e indústrias, é que a ponderação custo-benefício entre o valor a pagar para tomar medidas mais “amigas do ambiente” ou simplesmente não seguir esse tipo de medidas acabando por poluir mais, leva a que, na maioria das vezes, estes agentes sigam a segunda opção.

Não obstante podermos entender que o objectivo do PPP não é tanto compensar as ofensas ao ambiente, mas incitar os operadores de actividades perigosas a minimizar os riscos de danos ambientais, creio que pela importância que deve assumir a tarefa da protecção do ambiente não podemos permitir tratar da mesma com esta leviandade e esperar que os agentes poluidores atinjam a consciencialização social necessária para eles mesmos por vontade própria diminuírem as suas condutas nefastas para o ambiente.

Nestes termos, julgo que tomar em conta o PPP apenas como uma mera medida de incentivo à diminuição da prática de actividades poluidoras, poderá ter como efeito em muitos casos o problema de gerar quase um sentido de impunibilidade pelos actos lesivos do ambiente por parte dos seus autores.

Pelo exposto, uma das questões essenciais que assim se suscita é precisamente saber se o PPP se pode traduzir então numa espécie de compra de um “direito a poluir”?

Alguma doutrina defende que o PPP aparece apenas como um meio de atenuar e reparar os danos ambientais, funcionando meramente como uma compensação pelas externalidades negativas geradas, no entanto creio que podíamos, e devíamos, ir mais longe no alcance deste princípio.

Apesar de na teoria, o PPP não visar a autorização ao direito de poluir, e pelo contrário, ele ter uma vocação preventiva e também uma vocação repressiva, para evitar que o dano ao meio ambiente fique sem reparação, na prática, na minha opinião, em muitos casos o PPP simplesmente não cumpre essas suas vocações preventivas e repressivas, bem como não tem qualquer impacto nem efeito na consciencialização ambiental e no incentivo à mudança de comportamentos por parte dos agentes poluidores.

Como conclusão, creio que, como entende Isabel Marques da Silva, o que se verifica é que o uso de tributos para a obtenção de fins verdadeiramente ambientais tem ainda pouca relevância prática em Portugal, e apesar dos esforços, poucos, na tomada de medidas eficazes enquanto meio de protecção do ambiente o PPP ainda carece de maior concretização.

Não obstante tudo o que foi dito, se considerarmos que o PPP engloba ainda os instrumentos da responsabilidade civil objectiva por danos causados ao ambiente e a responsabilidade penal e contra-ordenacional em matéria ambiental, podemos dizer que o PPP tem na legislação portuguesa mais ampla consagração.

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BIBLIOGRAFIA

- Vasco Pereira da Silva, Verde Cor de Direito, Lições de Direito do Ambiente, 2002, Almedina, p. 65 ss

- Estudos de direito do ambiente: sessões do Seminário de 2002 de direito do ambiente / coord. Mário de Melo Rocha., Porto: Publicações Universidade Católica, 2003

- A (in)eficácia dos tributos na protecção do meio ambiente, Daniely Andressa da Silva, orient. Fernando Araújo, Lisboa, 2009

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