domingo, 1 de maio de 2011

O Princípio do Poluidor Pagador e Responsabilidade Ambiental

O princípio do poluidor-pagador nasceu no quadro da OCDE, na Recomendação C(72)128, de 26 de Maio, onde se estabelece que «o poluidor deve suportar as despesas da tomada de medidas de controlo da poluição decididas pelas autoridades públicas para assegurar que o meio-ambiente se mantenha num estado aceitável». Adquiriu posteriormente consagração comunitária, através do Acto Único Europeu, onde encontra a sua sede no actual artigo 174.º, n.º 2, do Tratado da União Europeia.

Mas, para além de regra de direito internacional e de direito comunitário, o princípio do poluidor-pagador goza também, entre nós, de natureza constitucional, uma vez que representa um corolário necessário da norma do art. 66.º, n.º 2, alínea h) da Constituição, que impõe ao Estado a tarefa de «assegurar que a política fiscal compatibilize desenvolvimento com ambiente e qualidade de vida».

O princípio do poluidor-pagador decorre da consideração de que os sujeitos económicos, que são beneficiários de uma determinada actividade poluente, devem igualmente ser responsáveis, pela via fiscal, no que respeita à compensação dos prejuízos que resultam para toda a comunidade do exercício dessa actividade.

Actualmente, a perspectiva tem vindo a ser alargada, no sentido de se considerar que uma tal compensação financeira não se deve apenas referir aos prejuízos efectivamente causados, mas também aos custos da reconstituição da situação, assim como às medidas de prevenção que é necessário tomar para impedir, ou minimizar, similares comportamentos de risco para o meio-ambiente. Além disso, considera-se que um tal princípio se realiza através dos mais diversos instrumentos financeiros, nomeadamente impostos (directos ou indirectos), taxas, políticas de preços, benefícios fiscais, etc.

Como refere a Professora da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Alexandra Aragão, o princípio do poluidor pagador é um princípio nuclear da responsabilidade ambiental no âmbito do Direito Europeu.

O sistema de responsabilidade ambiental está estabelecido na União Europeia desde 2001, pela Directiva 2001/35, de 21 de Abril de 2001, e em Portugal, desde 2008, pelo Decreto-Lei n.º 147/2008, de 29 de Julho.

São vários os princípios ambientais que informam o regime da responsabilidade por danos ambientais, nomeadamente o princípio do poluidor pagador, o princípio do desenvolvimento sustentável, o princípio da prevenção, o princípio da correcção na fonte, e o princípio da integração, definindo as linhas orientadores tanto do regime europeu como do regime nacional.

No entanto, apenas o princípio do poluidor pagador e o princípio do desenvolvimento sustentável são expressamente considerados como princípios, na Directiva europeia em causa.

No âmbito do direito português, encontramos mencionado o princípio da responsabilização, através de uma remissão para a Lei de Bases do Ambiente. Esta responsabilização, tal como está configurada, legitima apenas actuações a posteriori, depois de os danos ambientais terem ocorrido, e não actuações preventivas, antes de se verificarem quaisquer consequências, que são aquelas principalmente visadas pelo novo sistema de responsabilidade ambiental. Por isso, a nível nacional, temos uma configuração mais próxima do clássico regime de responsabilidade civil, do que do princípio do poluidor pagador.

Mas, de todos os princípios ambientais que têm ligação, directa ou indirecta, à responsabilidade ambiental, é o princípio do poluidor pagador que é considerado como o princípio fundamental inspirador do regime em causa.

Para Michel G. Faure e Julien Hay, a responsabilidade ambiental europeia dá cumprimento ao princípio do poluidor pagador, tal como está inscrito no Tratado, pois o objectivo não é tanto compensar as ofensas ao ambiente, mas incitar os operadores de actividades perigosas a minimizar os riscos de danos ambientais. Também Anna Karamat defende que o regime da responsabilidade ambiental estabelecido pela Directiva se distingue dos regimes de responsabilidade tradicionais, já que a directiva não identifica nem as pessoas a indemnizar, nem num primeiro momento, o Tribunal, e não cobre os danos tradicionais, e por isso se fala em “responsabilidade administrativa”.

No direito português da responsabilidade ambiental, a atitude perante o princípio do poluidor pagador é contraditória: por um lado, este é o único princípio eu surge citado simultaneamente no preâmbulo e no texto legal, deixando antever uma especial importância na conformação do regime da responsabilidade. Mas, por outro lado, o princípio parece não ser assumido com a mesma convicção com que surge ao nível europeu, na medida em que só é mencionado através de remissão para a Directiva, apesar de ser a última ratio que motiva o regime legal de responsabilidade ambiental.

Apesar de ser um princípio estruturante do Direito europeu do ambiente, o princípio do poluidor pagador surge nos textos legais, em regra, sem uma definição legal. Tanto no Tratado, como nos Programas de Acção, nas Directivas, e apesar do destaque que sempre merece, é consagrado sem enunciação ou explicação, salvo algumas excepções (nomeadamente, a nível nacional, a lei da água, no art. 3.º, n.º 1, al. c) da Lei n.º 58/2005, de 29 de Dezembro).

Assim, aquilo que podemos constatar da análise do regime da responsabilidade ambiental, é que o princípio do poluidor pagador é considerado, pela primeira vez, como o verdadeiro motor do regime instituído. Se antes era, essencialmente, um critério de aferição da validade de actos jurídicos, ou fonte inspiradora de soluções pontuais para problemas ambientais sectoriais, agora é um sistema cujo objectivo é fazer os poluidores pagar, em conformidade com regras de justiça e eficácia, e evitando distorções de mercado. Com efeito, se o objectivo do regime legal fosse apenas prevenir a ocorrência de danos ambientais, minimizá-los e repará-los, estes objectivos poderiam ser desenvolvidos pelo Estado, ou por quem tivesse capacidade técnica e científica para tomar medidas para evitar ou minimizar os danos, ainda a cargo do Estado, e não, forçosamente, pelo poluidor.

Mas a opção da Directiva foi diversa, e deliberadamente foram as medidas de prevenção e de reparação colocadas a cargo do poluidor, apesar das eventuais dificuldades em identificar o agente poluidor em tempo útil, e apesar do risco de o agente poluidor não ter intenção nem competência para levar a cabo as medidas necessárias para o efeito. Independentemente se saber qual a intervenção mais expedita ou mais eficaz, há uma preferência, que se pode explicar por razões de equidade, por fazer o poluidor suportar directamente as medidas preventivas ou reparatórias.

Só esta solução corresponde à filosofia típica do princípio em questão, uma filosofia de internalização de custos, que acaba por ser o regime mais justo e também, grande parte das vezes, o mais eficaz do ponto de vista ambiental.

Quem é o poluidor que deve pagar?

Na Recomendação do Conselho n.º 75/436, de 3 de Março, relativa à imputação dos custos e à intervenção dos poderes públicos em matéria de ambiente, o poluidor é “aquele que degrada directa ou indirectamente o ambiente ou cria condições que levam à sua degradação”.

Tanto na Directiva como na lei nacional, o poluidor, o operador, é “qualquer pessoa, singular ou colectiva, pública ou privada, que execute ou controle a actividade profissional ou, quando a legislação nacional assim o preveja, a quem tenha sido delegado um poder económico decisivo sobre o funcionamento técnico dessa actividade, incluindo o detentor de uma licença ou autorização para o efeito ou a pessoa que registe ou notifique essa actividade”, artigo 2.º, n.º 6 da Directiva, e artigo 11.º da lei nacional. Este é um sistema que dispensa uma averiguação, caso a caso, do responsável pelo dano potencial ou efectivo, através da imputação da responsabilidade para o operador-poluidor, o que poderá gerar, e gera na maioria das vezes, uma falta de coincidência entre o responsável financeiro e o responsável civil, o que efectivamente polui.

Mas o âmbito de aplicação da Directiva e da Lei, aparentemente lato, é também aparentemente limitado pela enumeração taxativa (no anexo III da Lei e da Directiva) das actividades ocupacionais abrangidas. A listagem em causa tem como efeito, pelo menos potencial, obrigar os Estados e criar para os operadores-poluidores o dever de prevenir e remediar danos ambientais, nos termos previstos. Quanto aos operadores-poluidores de outras actividades ocupacionais diferentes das mencionadas no anexo III, eles estão abrangidos por um dever de agir com zelo e diligência, na medida em que tal seja necessário para evitar danos aos habitats e às espécies da fauna e flora selvagens.

Questão complexa é a da responsabilidade plural, a que pretendeu responder a Recomendação de 1975: isto é, quando não se trate apenas de um poluidor singular, mas antes de vários poluidores, ou, na terminologia adoptada, vários operadores potencialmente responsáveis, importa encontrar para a sua responsabilização critérios justos e eficazes de imputação de custos.

Para as duas situações já previstas em 1975, a Recomendação deixava ao legislador nacional a escolha dos meios, sobretudo de acordo com critérios de eficácia ambiental e económica: “se a determinação do poluidor se revelar impossível ou muito difícil e por conseguinte, arbitrária, e no caso da poluição do ambiente ser o resultado, quer da conjugação simultânea de várias causas – caso em que teremos poluição cumulativa-, quer da sucessão de várias dessas causas – cadeia de poluidores-, os custos da luta contra a poluição devem ser imputados aos pontos e por meios legislativos ou administrativos que ofereçam a melhor solução nos planos administrativo e económico, e que contribuam da maneira mais eficaz, para a melhoria do ambiente”.

No Decreto-Lei n.º 147/2008, as situações de responsabilidade plural previstas são: a responsabilidade de pessoas colectivas, a responsabilidade de grupos sociais, a responsabilidade de várias pessoas singulares, e a responsabilidade de terceiros. A lei nacional, concretizando as indicações da Recomendação de 1975, optou por uma solução, que parece ser uma expressão perfeita de regra de socialização dos danos: a responsabilidade solidária, com eventual direito de regresso.

Esta técnica de responsabilidade solidária está relacionada com a internalização de custos, na medida em que dá direito ao poluidor, que paga por todos, o direito de reaver dos demais poluidores parte do pagamento, repartindo os custos. Mas a socialização de danos é prosseguida igualmente através da obrigação de criar garantias financeiras, nomeadamente pela celebração de apólices de seguro, que cubram as actividades abrangidas. Este dever de prestar garantias financeiras torna-se bastante importante, não só por razões de justiça, mas para evitar que os danos ambientais fiquem por reparar, e porque a própria insolvência potencial do poluidor tem efeitos negativos sobre a incitação à adopção de medidas preventivas. As garantias financeiras obrigatórias serão uma forma de manter a pressão sobre o poluidor, incitando-o eficazmente a tomar medidas preventivas.

O que deve pagar o poluidor?

À pergunta “o que devia pagar o poluidor”, responde também a Recomendação, no sentido de que o poluidor deve pagar as despesas das medidas necessárias para evitar essa poluição ou para a reduzir, a fim de respeitar as normas e as medidas equivalentes, permitindo atingir os objectivos de qualidade ou, quando tais objectivos não existam, a fim de respeitar as normas e as medidas equivalentes.

Também a Directiva refere que o operador deve pagar os custos de prevenção e de reparação dos danos, mas afirmando ainda que também se justifica que os operadores custeiem a avaliação dos danos ambientais ou, consoante o caso, da avaliação a sua ameaça iminente, instituindo assim uma espécie de “responsabilidade do futuro”, ou de evitar um enriquecimento sem causa do poluidor.

Na relação entre prevenção e reparação vigora uma regra de subsidariedade: primeiro devem ser adoptadas medidas de prevenção e, só depois, se não for possível ou suficiente, as de reparação.

E mesmo a nível da prevenção, há dois “graus” diferentes: a prevenção primária e a prevenção secundária. A primeira consiste na adopção de medidas destinadas a evitar a ocorrência do dano; a segunda, voltada para a adopção de medidas destinadas a não agravar um dano entretanto verificado.

No que respeita à reparação, encontramos também na lei uma distinção similar, entre reparação primária, complementar e compensatória, existindo entre elas uma relação hierárquica atendendo à prioridade relativa. O facto de este aspecto do regime comportar uma dimensão de intervenção a posteriori, não significa que o princípio do poluidor pagador seja uma “compra do direito a poluir”. O que se pretende é que o pagamento do imposto tenha efeitos dissuasores, e por isso se excluem do âmbito da responsabilidade os danos resultantes de acção de terceiros, as actuações legais e as actuações consideradas como seguras, pois em relação a quaisquer destes danos não há prevenção nem efeito dissuasor possível.

É de referir ainda que o operador-poluidor não paga os custos necessários para evitar ou reparar todos os danos causados ao ambiente, mas apenas aqueles danos eleitos pelo legislador como relevantes para serem abrangidos pelo regime em causa. E estes danos são, basicamente, de três categorias: danos às espécies e habitats naturais protegidos, danos à água e danos ao solo. De fora ficam os danos ao ar, ao clima, ao subsolo, à paisagem, à biodiversidade, quando as espécies não sejam protegidas, etc.

Como paga o poluidor?

Ainda recorrendo à Recomendação n.º 75/436, verificamos que o poluidor pode pagar de várias maneiras: “na aplicação do princípio do poluidor pagador, os principais instrumentos à disposição dos poderes públicos para evitar a poluição são as normas e as taxas.

No actual regime de responsabilidade ambiental, foram recebidas quatro diferentes formas de pagamento, a imputar ao operador:

1. Primeiro, suportando os custos directos das medidas que adopte para evitar ou reparar os danos;

2. Segundo, indirectamente, suportando os custos das medidas adoptadas pelo Estado ou por terceiros. Trata-se de montantes que são custeados, numa fase inicial, pelo Fundo de Intervenção Ambiental, e numa segunda fase, recuperados do operador-poluidor. Assim, quando sejam as autoridades competentes a dar o primeiro passo e a tomar as medidas necessárias, mesmo assim, o poluidor não poderá deixar de suportar integralmente os custos dessas medidas.

3. Terceiro, suportando as garantias financeiras constituídas para reforço da responsabilidade ambiental, as quais devem ser “próprias e autónomas, alternativas ou complementares entre si” (art. 22.º, n.º 1, do DL n.º 147/2008). Em conformidade com o direito europeu, em Portugal as garantias podem ser prestadas por diversas formas: subscrição de apólices de seguro, obtenção de garantias bancárias, participação em fundos ambientais ou constituição de fundos próprios reservados para o efeito.

4. Quarto, pagando uma taxa no valor de 1% sobre todas as garantias financeiras constituídas para reforço da responsabilidade ambiental, art. 23.º do DL n.º 147/2008. O valor arrecadado reverterá, como receita, para o Fundo de Intervenção Ambiental.

Mas a regra de recuperação dos custos das intervenções públicas de protecção ambiental comporta várias excepções, e estas reconduzem-se aos casos de danos directa ou indirectamente causados por terceiros, e aos danos resultantes de actividades legais e aparentemente seguras, desde que o operador-poluidor tenha actuado diligentemente e de boa fé.

Bibliografia:

ARAGÃO, Alexandra, “O princípio do poluidor pagador como princípio nuclear da responsabilidade ambiental no direito europeu”;

SILVA, Vasco Pereira da, “Verde Cor de Direito – Lições de Direito do Ambiente”; Almedina;

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