segunda-feira, 23 de maio de 2011

Parecer do Ministério Público - Subturma 4

MINISTÉRIO PÚBLICO
Procuradoria Distrital de Vila Limpa
Parecer sobre o Processo nº 666/11

Exmos. Senhores Juízes de Direito do Tribunal Administrativo de Círculo de Vila Limpa,

Nos termos do nº1 do artigo 219º da CRP, e 85º do CPTA, vem o Ministério Público emitir parecer sobre o processo n.º 666/11, o que faz nos termos e com os seguintes fundamentos:

A)    DA LICENÇA DE EXPLORAÇÃO

O DL 214/2008, de 10 de Novembro rege o regime de exercício da actividade pecuária (REAP). No que diz respeito ao respectivo âmbito de aplicação cumpre ter em atenção o artigo 2º, n.º1, que estabelece que estão abrangidas as actividades pecuárias incluídas nos grupos 014 e 015 da Classificação Portuguesa das Actividades económicas (CAE) – Revisão 3, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 381/2007, de 14 de Novembro. A actividade de suinicultura está prevista no grupo 014, Classe 0146, Subclasse 01460.
       É, então necessária licença de exploração, definida, nos termos do artigo 2º alínea v) como a “decisão da entidade coordenadora que habilita ao exercício da actividade pecuária, uma exploração pecuária, entreposto, centro de agrupamento ou uma unidade autónoma de gestão de efluentes pecuários, sujeito ao regime de autorização prévia previsto no presente D.L.”
       A entidade coordenadora (responsável pelo licenciamento) é sempre a Direcção Regional de Agricultura e Pescas territorialmente competente. Neste caso, a do norte (DRAPN).
À semelhança do que é estabelecido para o exercicio da actividade industrial, as actividades pecuárias são classificadas em três classes (artigo 6º n.1), consoante alguns critérios que se resumem na tabela 1 (do DL.214/2008). Estes critérios tem a ver com o grau potencial de risco da exploração e é medido tendo em conta o número de animais existentes e a sua espécie, bem como o regime em que e efectuada a exploração.
Consoante a classificação atribuida, o regime de licenciamento aplicável será diferente.
Para a classe 1, temos a Autorizacao Prévia; para a classe 2, a Declaracao Prévia; por fim, para a classe 3, o Registo.
No presente caso, a actividade desenvolvida pela Empres Porco feliz integra a classe 1, uma vez que está em causa uma exploração em regime intensivo, com mais do que 260 CN (cabeças normais), nos termos das Tabelas I e II. Está, então, sujeita ao regime da autorização prévia.
O procedimento inicia-se com a apresentação à entidade coordenadora do pedido de autorização com vista a, precisamente, conseguir autorização para executar um determinado projecto apresentado. O pedido de autorização é apresentado em formulário, cujos requisitos são os constantes da seccao 1 do anexo III ao REAP ou através do formulário PCIP (Prevenção e Controlo Integrados da Poluição), no caso da exploração estar sujeita a licença ambiental. Estão sujeitas a licença ambiental as instalações fixas, nas quais são desenvolvidas uma ou mais actividades constantes do anexo I ao Decreto-Lei n.o 173/2008 de 26 de Agosto.  Ora, a Empresa Porco Feliz, tendo iniciado a sua actividade com capacidade para 2800 porcos (vendidos a 120 kg) está sujeita a licença ambiental nos termos do artigo 2º al. h) do DL n.º 1732008, anexo I, ponto 6.6 b).
Obtido o deferimento, o projecto pode ser executado, em conformidade com o que foi aprovado. Com o projecto já executado, quando o requerente pretenda iniciar a sua actividade deve apresentar junto da entidade coordenadora o pedido de licença de exploração devidamente instruido, sob pena de indeferimento liminar, com:
a) Termo de responsabilidade do responsável técnico do projecto no qual este declara que a instalação pecuária autorizada está concluida e preparada para operar de acordo com o projecto aprovado e em observância das condições integradas na decisão final do pedido de autorização de instalação, bem como, se for caso disso, que as alterações efectuadas ao projecto estão em conformidade com as normas legais e regulamentares que lhe são aplicáveis;
b) Titulo de utilização das edificações ou copia do pedido de autorização de utilização
apresentado à câmara municipal territorialmente competente. No prazo de 30 dias a contar da data de apresentação do pedido de licença de exploração, haverá lugar a realização de uma vistoria as instalações. Após ter em seu poder a notificação da decisão favorável, pode dar inicio a actividade.

In casu, os autores invocam, nos artigos 4º, 15º e 29º da petição inicial, que a Empresa Porco Feliz “não obteve qualquer licença para o exercício da sua actividade” e que “está a actuar ilegalmente e sem licença”. Juntaram ainda ao processo um documento (Doc. 4) do qual consta uma carta enviada à Administração da Rede Hidrográfica onde referem, nomeadamente, que “Provavelmente, a empresa (a Empresa Porco Feliz, entenda-se) está a exercer a sua actividade ilegalmente e sem licença”.
Ora, os Autores demonstram não ter um conhecimento fundado sobre a existência ou inexistência da licença de exploração. Por outro lado, a Ré Porco Feliz, impugnando tais factos (artigos 1º, 2º, e 3º da sua contestação), carreou para o processo provas documentais (doc. 1 e 2) que demonstram que foi apresentado e deferido o requerimento para a obtenção de licença de exploração (em confomidade com o procedimento supra descrito). Assim, o entendimento do Ministério Público, face aos elementos a que teve acesso, é o de que a Ré Porco Feliz é detentora de licença de exploração e, como tal, actua legalmente.

B)    DA AVALIAÇÃO DE IMPACTO AMBIENTAL

O procedimento de avaliação de impacte ambiental tem como objectivo aferir das consequências ecológicas de um determinado projecto, procedendo à ponderação das respectivas vantagens e inconvenientes em termos de repercussão no meio-ambiente. É assim tida em conta a dimensão autónoma dos projectos.
Este é um procedimento baseado quer no princípio da prevenção (na medida em que permite evitar ou acautelar possíveis lesões futuras do ambiente, ao apreciar autonomamente as repercussões – presentes e futuras – de um projecto, num momento prévio ao da forma de actuação administrativa necessária para que tal actuação projectada possa ter lugar), quer no princípio do desenvolvimento sustentável e no princípio do aproveitamento racional dos recursos disponíveis, uma vez que obriga à contraposição entre benefícios/prejuízos ecológicos e benefícios/prejuízos económicos.
Todo este processo é orientado por critérios de eficiência ambiental, de forma a optimizar a utilização dos recursos disponíveis na avaliação da actividade projectada.
O Decreto-Lei n.º 69/2000, de 3 de Maio (Avaliação de Impacte Ambiental), que resulta da transposição para a ordem jurídica interna da Directiva n.º85/337/CEE, do Conselho, de 27 de Junho, com as alterações introduzidas pela Directiva n.º 97/11/CE, do Conselho, de 3 de Março e pela Directiva n.º 2003/35/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de Maio, regula directamente esta matéria, referindo logo no preâmbulo que “A avaliação de impacte ambiental é um instrumento preventivo fundamental da política do ambiente e do ordenamento do território, e como tal reconhecido na Lei de Bases do Ambiente, Lei n.º 11/87, de 7 de Abril. Constitui, pois, uma forma privilegiada de promover o desenvolvimento sustentável, pela gestão equilibrada dos recursos naturais, assegurando a protecção da qualidade do ambiente e, assim, contribuindo para a melhoria da qualidade de vida do Homem.”
O objecto do referido diploma encontra-se previsto no art. 1º e consiste no “regime jurídico da avaliação de impacte ambiental (AIA) dos projectos públicos e privados susceptíveis de produzirem efeitos significativos no ambiente…”.

Estão sujeitos a AIA os projectos indicados no art. 3º, D.L. 69/2000, que remete para “os projectos tipificados no anexo I” e para “os projectos enunciados no anexo II”.
A exploração da suinicultura com capacidade para 2800 porcos com 120 kg (capacidade com  que a Ré Empresa Porco Feliz iniciou a sua actividade) não é sujeita a AIA. De facto nos termos do artigo 1º n.3, que remete para o anexo I do D.L 69/2000, resulta que apenas estão abrangidos os projectos relativos a instalações de pecuária intensiva, no geral com capacidade ≥ 3.000 porcos (+ 45 kg) e, em áreas sensíveis, ≥ 750 porcos (+ 45 kg).
Mas já estará, então, sujeito a AIA o projecto de expansão e exploração da Actividade de suinicultura da Empresa Porco Feliz que anunciou um aumento da capacidade da suinicultura de 2800 para 4200 porcos.
A Ré Empresa Porco Feliz alega no artigo 5º da sua contestação que “o projecto de Expansão e Exploração da Actividade de Suinicultura da Empresa Porco Feliz está sujeito, segundo o art. 1º nº 3 al.b) do DL nº 69/2000, a Avaliação de Impacte Ambiental, da qual não foi dispensada, como alegam os autores, no art.51º da petição inicial”.
No entanto, tal afirmação não é correcta na medida em que os A., no artigo 51º da PI afirmam precisamente o contrário: “ A licença de construção dos projectos da porco feliz, não está dispensada da avaliação de impacto ambiental”. Portanto, e nisto estão de acordo, é necessário a Avaliação de Impacto Ambiental.

Contudo, poderia ainda ser considerada a dispensa de AIA nos termos do art. 3º, D.L. 69/2000, segundo o qual “em circunstâncias excepcionais e devidamente fundamentadas, o licenciamento ou a autorização de um projecto específico pode, por iniciativa do proponente e mediante despacho do ministro responsável pela área do ambiente e do ministro da tutela, ser efectuado com dispensa, total ou parcial, do procedimento de AIA”.
Ora, a Empresa Porco feliz junta em anexo à sua contestação o doc. 4º no qual consta que houve AIA.
Por sua vez, a Câmara Municipal de Vila limpa junta em anexo à sua contestação o doc. 2 de onde resulta que o projecto foi, afinal, dispensado de AIA.
Face a esta contradição existente, não pode o Ministério Público pronunciar-se quanto à questão de saber se houve ou não o procedimento de Avaliação de Impacto Ambiental.
Entende, contudo, que não existem circunstâncias excepcionais que justifiquem a dispensa de AIA. Efectivamente, no doc. 2 da contestação da Câmara Municipal de Vila limpa onde supostamente consta a dispensa de AIA, justifica-se esta dispensa com o facto de “ não se ter entendido que houvesse motivos de alteração substancial do impacto ambiental da actividade em causa, apenas devido a um aumento do número de animais da exploração”. Ora, os limiares estabelecidos pelo legislador no anexo II do DL 69/2000 assentam precisamente na ideia de que uma maior capacidade das instalações é susceptível de ter efeitos mais preversos no meio-ambiente. O aumento da capacidade de 2800 para 4200 porco é tal que se justifica a sujeição a AIA de modo a determinar as consequências que este projecto de expansão terão no ambiente.

Por outro lado, note-se que, a implementação e exploração de uma ETAR origina um conjunto significativo de impactes ambientais, que devem ser considerados no seu processo de concepção, construção e funcionamento, pelo que esta tipologia de projecto se encontra abrangida pelo regime legal de AIA. No caso, a construção de uma estação de tratamento de águas residuais de capacidade superior a 150.000 hab./eq., como é objectivo da empresa Porco Feliz S.A. (que terá uma capacidade correspondente a 190.000 hab./eq.), está sujeita a AIA segundo o disposto no art. 1º, n.º3, alínea a), do D.L. 69/2000, que remete para o anexo I, integrando-se o projecto em apreço no n.º13.

C)    DA RESPONSABILIDADE POR DANOS AMBIENTAIS

O artigo 7º do DL 147/2008, de 29 de Julho, relativa à Responsabilidade por Danos Ambientais, prevê a existência de uma responsabilidade objectiva. Quer isto dizer que o agente responde pelos danos a que deu origem, ainda que tenha actuado rigorosamente de acordo com o nível de zelo e de diligência que lhe era exigível. O dano é imputado ao agente, não porque este tenha tido qualquer culpa na sua produção, mas porque a actividade por ele desempnhada é particularmente perigosa, entendendo-se, assim, que quem tira proveito dessa actividade deve também assumir as respectivas consequências (responsabilidade pelo risco) ou porque a actividade porele desempenhada, embora lícita, sacrifica de modo especial e anormal determinados sujeitos, os quais merecem uma compensação (responsabilidade pelo sacríficio)
O artigo 7º remete para o anexo III onde está listado um conjunto de actividades que se presumem perigosas (responsabilidade pelo risco). É, assim, necessário, determinar se a actividade económica desenvolvida pela Ré Empresa Porco Feliz, está abrangida por tal anexo. Ora, o n.º 1 refere a exploração de instalações sujeitas a licença, ao abrigo do DL n.º 194/2000,de 21 de Agosto. Note-se, contudo, que tal diploma já não se encontra em vigor, tendo sido revogado pelo D.L 173/2008 relativo à prevenção e controlo integrado da poluição, o qual será, assim, aplicável. Nos termos do anexo I, 6.6, alínea b) deste DL estão sujeitas a licença ambiental as instalações para criação intensiva de suinos, com espaço para mais 2000 porcos de produção (de mais de 30 Kg). Assim, uma vez que a Ré tem uma suinicultura com capacidade para 2800 porcos, vendidos aos 120 kg, conclui-se que é uma actividade cujo exercício poderá dar lugar a responsabilidade objectiva.
Por outro lado, exige o artigo que a ofensa de direitos ou interesses alheios decorra da lesão de um componente ambiental. Na presente acção, as descargas de efluentes líquidos efectuadas pela Ré na Ribeira do Inferno, traduziram-se num elevado grau de poluição da mesma. A componente ambiental lesada é, então, a àgua (e não o rio, como alegam os A. no artigo 41º PI), nos termos do artigo 6º alínea c) e artigo 10º da Lei de Bases do Ambiente – Lei n.º 11/87, de 7 de Abril – e artigo 11º n.1 alíne a) e e), ii) do DL 147/2008.
Quanto aos direitos e interesses alheios ofendidos, a A. invoca, no artigo 41º PI que “ (….) essa actividade ofendeu os direitos e interesses da autora (…). Ora, para além de na presente acção, existirem duas A., a Associação Limpar o Inferno e Carlota Castelo Branco, não se referem quais foram, efectivamente os direitos e interesses ofendidos. Estamos, contudo, em crer que este facto está relacionado com o pedido que, por fim, acaba por ser feito pela A.: condenação da empresa porco feliz a indemnizar a Carlota pelos danos sofridos pela destruição da sua plantação de girassóis e pela morte dos peixes que constituia a base da sua alimentação e de todo o seu agregado familiar. Estamos perante danos ambientais (que se contrapõem aos danos ecológicos) e que, de acordo com o Preâmbulo do D.L 147/2007 se traduzem nos danos sofridos por determinada pessoa nos seus bens jurídicos de personalidade ou nos seus bens patrimoniais como consequência da contaminação do ambiente».
Resta determinar se existe um nexo de causalidade entre a conduta poluente da Ré e os danos alegadamente sofridos pela  A, aferida nos termos do artigo 5º do DL. 147/2008. Resulta deste artigo que o legislador alterou o princípio geral vigente no Direito português quanto à medida da convicção do juiz necessária para o facto ser tido como provado,abdicando da exigência de certeza sobre o nexo causal, bastando-se com um critério de probabilidade.
Resulta já assente que foi a poluição causada na Ribeira do Inferno que causou a morte dos peixes, ficando contudo, por determinar se foi na sequência de uma descarga de efluentes liquidos realizados pela R. que a plantação de girassóis da A. Carlota Castelo Branco ficou destruída e se tal plantação constituía a sua única fonte de rendimento. Se assim se entender, por no decurso da audiência de discussão e julgamento surgirem novos elementos, fica provado a existência de um nexo de causalidade.
Conclui-se, assim, que, à partida estariam preenchidos os pressupostos da responsabilidade objectiva.

D)    DA CONSTITUIÇÃO DE UMA GARANTIA FINANCEIRA AUTÓNOMA
No artigo 22º do D.L 147/2008 encontra-se regulado o regime das garantias financeiras obrigatórias.
Qualquer operador que exerça uma ou mais actividades listadas no anexo III do diploma, deve obrigatoriamente constituir uma garantia financeira que lhe permita assumir a responsabilidade ambiental inerente à actividade por si desenvolvida.
A garantia financeira ambiental, que deve obedecer ao principio da exclusividade, pode constituir-se através das diferentes formas previstas no n.º 2 do artigo 22º e passou a ser exígivel a partir de 1 de Janeiro de 2010.
Por outro lado, o n.º4 do artigo 22º do diploma estabelece que podem ser fixados limites mínimos para os efeitos da constituição das garantias financeiras obrigatórias, mediante portaria a aprovar pelos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças, do ambiente e da economia. Importa esclarecer que a publicação desta portaria constitui uma possibilidade a que o Governo pode recorrer, se assim o entender, não existndo qualquer obrigação de se proceder à regulamentação do diploma quanto a este aspecto.
Com efeito, o facto de a portaria não ter sido publicada, não desonera os operadores que exerçam alguma das actividades listadas no anexo III do referido decreto-lei, da obrigação de, a partir de 1 de Janeiro de 2010, constituírem uma ou mais garantias financeiras, nos termos acima referidos.
Pelo exposto, uma vez que, como já foi referido, a Empresa Porco Feliz desempenha uma actividade lista no anexo III – n.º1 deste anexo que remete para o anexo I do DL 173/2008, estando em causa o ponto 6.6 alínea b) – deve a mesma constituir uma garantia financeira própria, nada indiciando, nas peças processuais chegas ao nosso poder, que tal garantia já tenha sido constituida.


Face ao exposto, o Ministério Público considera que:

- A Ré Empresa Porco Feliz possui licença de exploração para o exerício da sua actividade;
- O projecto de expansão deve estar sujeito a Avaliação de Impacto Ambiental (no caso de não se provar que o foi, como invoca a Ré Empresa Porco Feliz)
- Deve a Empresa Porco Feliz ser responsável objectivamente pelos danos causados à A. Carlota Castelo Branco, nos termos já referidos;
- Deve a Empresa Porco Feliz constituir uma garantia financeira própria que lhe permita assumir a responsabilidade ambiental inerente à actividade por si desenvolvida.


Os procurados do Ministério Público,

Filipa Félix
Mariana Marques
Patrícia Borges
Sara Machado

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