sábado, 21 de maio de 2011

A preferência pela reparação natural

A Lei de Bases do Ambiente, no seu artigo 48º (Obrigatoriedade de remoção das causas da infracção e da reconstituição da situação anterior), prevê no n.º1 que "os infractores são obrigados a remover as causas da infracção e a repor a situação anterior à mesma ou equivalente, salvo o disposto no n.º3." (itálicos meus). O n.º3 prevê que apenas se não for possível a reposição da situação anterior, se tomem outras medidas como o pagamento de uma indemnização especial e à realização das obras necessárias para a minimização das consequências.

Também o decreto-lei 147/2008 (Responsabilidade Ambiental), no que toca por exemplo à reparação de danos ecológicos promovida por autores populares, nega a atribuição de quantias pecuniárias a associações ou sujeitos que ajam em nome da colectividade. O anexo V a este diploma "estabelece um quadro comum a seguir na escolha das medidas mais adequadas que assegurem a reparação dos danos ambientais". Todo este anexo está estruturado de forma a que se dê prevalência à restituição do ambiente tal como ao seu estado inicial (reparação primária). Podem adoptar-se também medidas complementares (reparação complementar) para se tentar compensar o facto de não ser possível a reparação primária. Aqui o objectivo já não será tentar "voltar atrás no tempo", mas fazer o que estiver ao nosso alcance para compensar o facto de a reparação primária não resultar no pleno restabelecimento dos recursos naturais. Segue-se a reparação compensatória, que compensa perdas transitórias de recursos naturais desde a verificação do dano até à reparação primária ter atingido plenamente os seus efeitos.

Do exposto resulta de modo claro a preferência dada pelo legislador às situações de reposição natural em vez de medidas de indemnização ou outras de carácter patrimonial. A prioridade do legislador é, e bem, a recuperação do ambiente que sofreu um dano ecológico.

Vejamos a questão de um ponto de vista mais prático, com o "caso das cegonhas brancas de Coruche", Processo nº 278/89 julgado pelo Tribunal Judicial de Coruche. Embora antigo, este processo mostra um curioso exemplo da preferência pela reparação natural, que acaba por não ser nada natural. Mas já explicarei o que acabo de afirmar.

Resumindo o caso aos factos e ao direito que nos interessa, havia uma herdade em que a determinada altura foram detectados 27 ninhos de cegonha-branca, ave protegida, em três pinheiros. A administrador da herdade foi informada, e sabendo da necessidade de proteger a colónia de cegonhas-brancas em nidificação, a verdade é que os pinheiros foram os três mandados abaixo dias depois.
O Ministério Público interpõe acção contra a administradora, entre outras coisas, pedindo indemnização civil contra a arguida, requerendo a sua condenação na situação que existia antes.

Na minha opinião, o curioso neste caso é o facto de naturalmente não ser possível repor três pinheiros enormes que foram cortados. Concordam comigo? Se sim, talvez estejam a levar demasiado à letra a expressão "reparação natural". De facto, o que o Ministério Público pediu e o Tribunal aceitou e condenou a administradora a fazer, foi a construção de dois suportes artificiais para a colocação de estruturas adequadas a substituir os ninhos das cegonhas. Em tom de brincadeira, pode dizer-se que se trata de um caso de reparação natural... artificial.

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