sábado, 21 de maio de 2011

Prevenção, precaução e risco: o outro lado da moeda?

Em nenhum ramo do Direito se defende a preservação da lesão com tanta amplitude como no Direito do Ambiente.
A prevenção da lesão dos bens ambientais deve ser identificada essencialmente com a antecipação da protecção. É certo que se poderiam identificar outras dimensões do princípio da prevenção, nomeadamente, a dissuasão de potenciais lesantes; mas a verdade é que, para o Direito do Ambiente, prevenção significa antecipação, e é neste ponto que se diferencia dos outros ramos do Direito.
A antecipação da protecção significa que, mais do que não serem admitidas lesões aos bens ambientais, não é permitida a criação de perigo/risco de lesão dos bens ambientais. Consequentemente, a mera criação de perigo ou risco passa a ser fundamento de indeferimento de pretensões ou mesmo de imposição de proibições, medidas preventivas ou de compensação aos operadores económicos.

O alcance deste(s) princípio(s) tem sido objecto de profundo debate doutrinário, mas parece consensual que precaução/prevenção significa que a protecção do ambiente implica, mais do que a antecipação da protecção quanto a perigos ou riscos comprovados, que “o ambiente deve ter em seu favor o beneficio da dúvida quando haja incerteza, por falta de provas científicas evidentes, sobre o nexo causal entre uma actividade e um determinado fenómeno de poluição ou degradação do ambiente” (J.J. Gomes Canotilho (coord.), Introdução ao Direito do Ambiente, Lisboa: Universidade Aberta, 1998) . Para além de revelar uma antecipação ainda superior à que é própria da prevenção/precaução, implica, do ponto de vista processual, uma inversão do ónus da prova para o poluidor e a vigência de um principio in dubio pro natura.

Ora, tendo presente este facto, é inegável o efeito prático que se fará sentir com a concretização do princípio da prevenção: a sua operatividade mais visível será, certamente, enquanto critério de actuação da Administração no caso concreto, servindo de fundamento para indeferimento de pretensões de particulares, assim como de imposição de condições, medidas de minimização ou medidas de compensação.

São estes efeitos e, sobretudo, as suas consequências práticas, que levam um sector da doutrina (cada vez mais alargado) a tecer duras críticas ao princípio da prevenção. Nomeadamente, dizem não subscrever o princípio, na suas configurações actuais, alegando que ele se baseia numa percepção errada dos riscos que corremos, também a nível cientifico, e por haver um empolamento e alarmismos desnecessários, que culminam com um excessivo optimismo quanto aos ganhos alcançáveis através da politica ambiental.
Estes autores descrevem o princípio da prevenção como uma atitude profundamente reaccionária e anti-cientifica que anima muita da regulação ambiental e que estabelece, sempre que há a possibilidade, mesmo que não comprovada cientificamente em termos causais, de um aumento de risco com uma actividade nova, que devem tomar-se medidas restritivas, cabendo ao proponente dessa novidade provar a inexistência desse risco, para o efeito de se removerem aquelas medidas (podendo, a contrario, qualquer pessoa propor a adopção daquelas medidas restritivas, sem qualquer necessidade de prova senão a de que existe uma possibilidade de risco).

No fundo, estes autores vêem alertar para o facto de não ser possível, necessário, ou sequer conveniente erradicar da existência terrena os riscos que lhe são inerentes, e que o princípio da prevenção parece exigir para o futuro inovações tecnológicas isentas dos mesmos riscos com que coexistimos presentemente e que, por sua vez, não são postos em causa e dos quais tiramos tantos proveitos em contrapartida.
Ainda assim, admitem perfeitamente que a opção reguladora pode justificar-se também quando o número daqueles que se entregam a uma actividade externalizadora é tão vasto que se torna impossível discriminar incidências particulares e é preciso estabelecer, com generalidade e abstracção, limites máximos ou mínimos ao nível de externalização que seja consentido, ou quando é preciso “criar mercado” para novas tecnologias que constituam contributos para a solução do problema, contra o domínio de mercado por parte de tecnologias obsoletas.
Em suma, a solução seria aquela que limitasse a intervenção do Estado ao estabelecimento de incentivos e desincentivos às actividades externalizadoras.

Ora, pessoalmente, e ainda admitindo que, de facto, o princípio do poluidor pagador e da responsabilização do agente poluidor me parece a melhor solução, considero que são aqui necessários alguns esclarecimentos.
O princípio da prevenção é, por vezes, associado a uma ideia de exigência de risco zero. No entanto, a reivindicação social de segurança absoluta não pode ser integralmente satisfeita. A existência da ideia de risco faz parte da própria noção de vida. O princípio da prevenção não postula a erradicação de todo e qualquer risco, até porque as naturais limitações da ciência podem conduzir a que se julgue completamente afastada a ocorrência de um risco que vem, porém, a verificar-se. Todas as acções humanas envolvem um aléa, um risco residual, isto é, um risco cuja concretização se apresenta como tão remota ou improvável que a sua existência é avaliada pela sociedade como aceitável.

Em suma, a análise custos-benefícios revela-se imprescindível para garantir que a vantagem adveniente da redução ou eliminação de um risco se apresente como razoável face aos custos da adopção das medidas a tal tendentes.
São de afastar posições extremas que vêem no princípio da prevenção um imperativo sistemático de abstenção, como uma exigência irrealista de risco zero. Na verdade, este princípio visa, antes de mais, a implementação de uma cultura e gestão proactiva do risco, assente na identificação dos perigos, na avaliação da sua gravidade e probabilidade de ocorrência e na delimitação daqueles que são aceitáveis, atendendo aos benefícios que advêm da actividade que está na sua origem, sujeitando-os, embora a uma estrita vigilância e controlo ou reduzindo-os. Não passa necessariamente por uma proibição ou paralisação do desenvolvimento de determinadas actividades ou processos. É preciso notar que raramente nos encontramos perante uma opção entre um risco e um não risco.
Muitas vezes, o risco reside não no desenvolvimento de uma determinada actividade ou utilização de uma substância, mas antes na sua admissibilidade genérica ou uso excessivo. Nestes casos, a melhor opção parece residir numa gestão global do risco, limitando o acesso à actividade ou reduzindo o uso aos limites aceitáveis.

NOTA: Tendo em conta que não era objectivo do presente trabalho a distinção e autonomização entre prevenção e precaução, os dois termos foram aqui usados como sinónimos, adoptando-se uma ideia alargada, onde cabem as duas noções.


BIBLIOGRAFIA:

-Araújo, Fernando; Introdução à Economia; 3ª ed.; 2006; Almedina
- Oliveira, Heloísa; A reparação do dano ecológico - Relatório de estágio de mestrado, Ciências Jurídico-Ambientais; Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa; 2009
- Silva, Vasco Pereira da; Verde Cor de Direito – Lições de Direito do Ambiente; 1ª ed.; 2005; Almedina


Por: Raquel Nunes, 17511, subturma 1

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