domingo, 15 de maio de 2011

A Protecção do Ambiente no Direito Comunitário antes do Tratado de Lisboa

1. O Ambiente e a Comunidade

Antes de passar à análise do problema da protecção do Ambiente através da impugnação jurisdicional comunitária, e em jeito de enquadramento geral, importa começar por fazer uma brevíssima excursão pela evolução “histórico-ambiental” da União Europeia.
A atenção dada ao Ambiente pela União Europeia remonta já à década de 70 do século passado, nomeadamente à Cimeira de Paris de Outubro de 1972, sendo que é na Declaração de Paris do mesmo ano que a doutrina comunitária considera que nasceu a política ambiental da Comunidade que se baseia em Programas de Acção quinquenais que gizam os sectores de intervenção e as suas grandes linhas de actuação.[1] Porém, é apenas em 1987, com a entrada em vigor do Acto Único Europeu, que a protecção do ambiente é expressa e formalmente reconhecida como objectivo comunitário. Já na década de 90, a aprovação do Tratado de Maastricht veio não só consolidar as preocupações de harmonização das condições de concorrência no mercado interno, como também constatar o “«carácter supra-regional, internacional e mesmo global da tarefa de protecção do ambiente»”[2] e, por outro lado, a entrada em vigor do Tratado de Amesterdão de 1998 veio contribuir para reforçar a legitimidade de actuação comunitária no plano da protecção ambiental aditando o novo artigo 6.º do Tratado de Roma relativo ao Princípio da Integração.
Mais recentemente, o artigo 37.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia dispõe que “Todas as políticas da União devem integrar um elevado nível de protecção do ambiente e a melhoria da sua qualidade, e assegurá-los de acordo com o princípio do desenvolvimento sustentável.” ilustrando bem o grau de aperfeiçoamento a que se pode dizer que as pretensões comunitárias a este nível alcançaram. Ainda mais actual é o artigo 2.º do Tratado da União Europeia que, como nos diz CARLA AMADO GOMES, “sublinha, como objectivo da União (que sucede à Comunidade Europeia), o melhoramente da qualidade do ambiente a par da promoção da competitividade das empresas e do pleno emprego – aliado a um forte incentivo da investigação científica e do progresso tecnológico. Este desígnio tem, coerentemente, uma refracção no plano da acção externa da União, que também se deverá pautar pela protecção dos valores do ambiente [cfr. o artigo 10A/f].”[3].



2. Impugnação jurisdicional de actos lesivos do ambiente

Importa agora analisar a concepção comunitária de “ambiente”. Ora, da leitura do artigo 174.º, n.º 1 do Tratado de Roma (TR) resulta uma noção ampla de ambiente, que congrega em si não só a preservação e promoção da qualidade de bens ambientais e naturais, mas também a protecção da saúde das pessoas (vejam-se os 1.º e 3.º e 2.º travessões do artigo, respectivamente). Já da leitura do 2.º travessão do n.º 2 do artigo 175.º TR decorre também uma noção ampla de ambiente, falando-se agora de ordenamento do território, afectação dos solos (excepção gestão de lixos e medidas de carácter geral) e gestão de recursos hídricos. Não podemos, contudo, deixar de concordar com CARLA AMADO GOMES: “No entanto, uma abordagem mais atenta depressa nos revela que estas associações decorrem da transversalidade da problemática ambiental (…), em nada obstaculizando uma circunscrição do objecto de tutela directa dos artigos 174 a 176 aos bens ambientais naturais.” (sendo que, aliás, como refere ainda esta autora, há uma autonomização das políticas de saúde e de protecção do património cultural construído dos Estados-membros).[4] Como suporte desta opinião é também possível invocar a já mencionada disposição da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia que reconhece o Ambiente como um valor de interesse público, cuja salvaguarda deve estar repartida entre todos, Estados-membros e órgãos comunitários.
Pelo que fica dito pode concluir-se que a ofensa à integridade de qualquer bem ambiental que se encontre no território de um Estado-membro configura a lesão de um interesse colectivo, cuja tutela processual tem obrigatoriamente que operar. No seio da União Europeia, tal asserção significa que a impugnação jurisdicional de actos comunitários susceptíveis de provocar efeitos ambientais nocivos só pode dar-se, em teoria, por duas vias: através da legitimidade institucional das entidades referidas no § 2.º do artigo 230.º TR, ou através da legitimidade singular, de forma mediata através do § 4.º do mesmo artigo.
Porém, há outras vias não-jurisdicionais de tutela, nomeadamente: o Provedor de Justiça Europeu e o direito de petição ao Parlamento Europeu. Importa apenas fazer uma breve referência a estas figuras. O Provedor de Justiça Europeu encontra-se previsto nos artigos 21.º, n.º 2 e 195.º TR, cabendo-lhe levar a cabo inquéritos sobre situações de alegada má-administração, por iniciativa própria ou na sequência de queixa apresentada por cidadãos europeus ou pessoas com domicílio em território de um Estado-membro. Já o direito de petição ao Parlamento Europeu encontra-se previsto nos artigos 21.º, n.º 1 e 194.º TR e, apesar de não ser possível que uma petição nele baseada leve à revogação do acto que se considera lesivo, torna públicas e leva ao conhecimento do Parlamento Europeu as situações de ilegalidade, desencadeando a actividade fiscalizadora deste junto das instâncias visadas.[5]

Por fim, como vias jurisdicionais susceptíveis de utilização num litígio “ambiental” temos a acção de anulação (que poderá ser acompanhada de medidas cautelares, conservatórias ou antecipatórias) e o processo de questões prejudiciais. A primeira destas vias encontra previsão no já referido artigo 230.º TR, sendo a via primordial do controlo da ilegalidade. Através desta, o particular pode atacar qualquer acto que lhe diga directa e individualmente respeito, quer este revista a forma de decisão ou de regulamento. Em segundo lugar, o processo de questões prejudiciais vê os seus pressupostos previstos no artigo 234.º, alínea b) TR e, no fundo, podendo o particular, na pendência de qualquer litígio que envolva a aplicação de actos comunitários como suporte de medidas nacionais, invocar a invalidade dos primeiros para comprovar a invalidade consequente dos segundos, transforma o juiz nacional em órgão aplicador do Direito Comunitário.[6]

Raquel Maia Arêde (N.º 17512)
4.º Ano, Subturma 3

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[1] ROCHA, Melo, A avaliação de impacto ambiental como princípio de Direito do Ambiente nos quadros internacional e europeu. Porto: 2000, p. 38.
[2] AMADO GOMES, Carla, A protecção do ambiente na jurisprudência comunitária. Uma amostragem (in Themis, ano IX, n.º17). Coimbra: 2009, p. 111.
[3] AMADO GOMES, Carla, A protecção…, p. 114.
[4] Amado Gomes, Carla, A impugnação jurisdicional de actos comunitários lesivos do ambiente, nos termos do artigo 230 do Tratado de Roma: uma acção nada popular (Separata de Homenagem ao Prof. Doutor André Gonçalves Pereira). Lisboa: Coimbra Editora, 2006, p. 878.
[5] Amado Gomes, Carla, A impugnação…, pp. 879-884.
[6] Amado Gomes, Carla, A impugnação…, pp. 884-889.

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