sábado, 21 de maio de 2011

A protecção internacional do ambiente

I- Importância e Evolução da protecção internacional do ambiente



O Direito do Ambiente, parece-me correcto dizer que, é um ramo vocacionado para a internacionalidade, pelo carácter difuso do bem jurídico que protege (ou seja, o meio ambiente), que no fundo é um bem jurídico pertencente a toda a humanidade, indistintamente (pelo menos em teoria).



A eficácia da protecção do meio ambiente e da reparação dos danos ambientais perpassa necessariamente pelo estabelecimento de um conjunto de regras que transcenda as fronteiras dos Estados. Existem danos ambientais que apresentam peculiaridades temporais (intervalo entre a causa e a manifestação do dano), espaciais (efeitos transfronteiriços e até à escala planetária) e causais (multiplicidade de agentes e cumulatividade de resultados), cujos efeitos só podem ser combatidos, com êxito, através de políticas transnacionais.



É neste sentido que se observa a falibilidade dos instrumentos nacionais de protecção ambiental, assinalando-se a necessidade de um ordenamento jurídico ambiental internacional.



O princípio da cooperação, baseado nos efeitos transfronteiriços e planetários dos danos ambientais, prelecciona uma política solidária e de cooperação entre os Estados, no sentido de fornecimento de informações e de celebração de tratados.



Até à década de 1970, os diplomas internacionais relacionados com o Ambiente tinham um carácter eminentemente económico, estabelecendo limites à degradação do meio ambiente apenas de forma incidental, como forma de resguardar os interesses da actividade produtiva. É neste contexto que surgem, instrumentos internacionais como a Convenção para a Regulamentação da Pesca da Baleia (1931) e o Tratado da Antárctida (1959).



Em 1972, uma organização não governamental constituída por cientistas, economistas, líderes políticos, etc., de vários países, que ficou conhecida como o Clube de Roma, publicou o seu primeiro e mais famoso relatório, intitulado “Os limites do crescimento”. O documento continha prognósticos catastróficos para o futuro da humanidade e alertava para o esgotamento os recursos aturais e para a possibilidade de colapso da economia mundial. Isto foi para muitos um despertador de consciências e parece-me a mim que foi o ponto de viragem na tutela internacional do ambiente.



A partir de 1972 deu-se a consolidação do que muitos já chamam de Direito Internacional do Ambiente, com a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano, realizada em Estocolmo. A Conferência Internacional de Estocolmo representa um marco na evolução do Direito do Ambiente, tendo reunido, pela primeira vez, países industrializados e em desenvolvimento para discutir os problemas relativos ao meio ambiente. Nela adoptou-se a Declaração sobre o meio ambiente humano, instrumento pioneiro em matéria de direito internacional do ambiente, que acentuava a necessidade de formular critérios e princípios comuns para a preservação e melhoria do meio ambiente humano. O documento, constituído por um preâmbulo e 26 princípios, reconhece a dependência da vida humana em relação à natureza, o potencial destrutivo do progresso da ciência e da tecnologia, e a necessidade de esforços comuns (de todos os povos e Governos) para preservar e melhorar o meio ambiente, em benefício das presentes e futuras gerações. De realçar o art.º 21 da referida Declaração, que diz que: “Os Estados, de acordo com a Carta das Nações Unidas e os princípios do Direito Internacional, têm o direito soberano de explorar os seus próprios recursos, nos termos das suas próprias políticas ambientais, desde que as actividades levadas a efeito (…) não prejudiquem o meio ambiente de outros Estados ou de zonas situadas fora de toda a jurisdição nacional”.



Desde então têm surgido inúmeros instrumentos internacionais de protecção do ambiente, como é o caso da Convenção sobre a Diversidade Biológica e da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre alterações climáticas, sendo claro que tanto os Estados (e seus Governos) e as Organizações Internacionais, como as próprias populações, demonstram uma preocupação crescente com a tutela do meio ambiente, sendo hoje o direito ao ambiente considerado um direito fundamental dos cidadãos em muitos países, como é o caso de Portugal.



De notar, no entanto, que o Direito Internacional, especialmente em matéria de Ambiente, é em muito dominado pela vontade dos próprios Estados, relembre-se a este propósito, por exemplo, a actuação pouco louvável dos EUA relativamente ao Protocolo de Quioto, em que se negaram a ratificar o Protocolo de Quioto, de acordo com a alegação do ex-presidente George W. Bush de que os compromissos acarretados por tal protocolo interfeririam negativamente na economia norte-americana!



Isto deve-se, a meu ver, ao facto de não existir ainda uma verdadeira Autoridade Internacional centrada na questão ambiental (e com poderes efectivos) e ao facto do Direito Internacional do Ambiente ser ainda dominado pela chamada soft law, ou seja, pelo chamado “direito brando”, que são instrumentos que nem sequer têm o estatuto de normas jurídicas, dado que são despidas de força coercitiva. As soft law representam no fundo obrigações morais dos Estados, cujo incumprimento não implica a imposição de sanções, ou seja, possuem um carácter inteiramente voluntário, sendo que os Estados só cumprem se e quando quiserem. De qualquer maneira estas soft law não podem ser completamente desconsideradas e nem sempre são negativas, nomeadamente, em matérias sensíveis (como o caso das armas nucleares, etc.), em que não é possível alcançar um entendimento imediato e definitivo entre os Estados, elas revelam-se úteis, na medida em que fixam metas para futuras acções políticas nas relações internacionais e futuros acordos entre os Estados.



Como já ficou dito, dadas as crescentes e reiteradas preocupações em matéria ambiental, são “numerosos” os textos internacionais relacionados com o ambiente quer o seu âmbito seja multilateral quer bilateral. Sendo os instrumentos multilaterais os mais interessantes para o que aqui está em causa, em seguida serão referidos alguns exemplos.





II- Os principais instrumentos internacionais de protecção do ambiente





O Tratado da Antárctida:



O Tratado foi celebrado em 1 de Dezembro de 1959, nos EUA. Curiosamente, só em 2010 é que Portugal concluiu o processo de ratificação e se tornou parte no Tratado.



Este Tratado reconhece a Antárctida como área de interesse de toda a Humanidade, estabelecendo a sua utilização exclusivamente para fins pacíficos. Proibiu explosões nucleares na Antárctida, assim como o lançamento de lixo e resíduos radioactivos.





Convenção sobre a responsabilidade civil pelos prejuízos devidos à poluição por hidrocarbonetos (CLC):



Também chamada de Convenção Internacional de Bruxelas de 1969. Surgiu na sequência da maré negra causada pelo sinistro do Torrey-Canyon, ocorrido em 18 de Março de 1967, a 100 Kms da costa inglesa e a 80 Kms da costa francesa. Neste desastre ambiental cerca de 120 000 toneladas de carga de petróleo bruto foram derramadas no mar e 50% das aves das costas norte da Bretanha morreram.
Daí a criação de um sistema internacional de ressarcimento dos danos causados por hidrocarbonetos, através da CLC, que visa responsabilizar civilmente o proprietário do navio por qualquer dano causado por poluição. Realmente, até então o que se aplicava era o regime geral da responsabilidade fundada na culpa do responsável. Este, quase sempre, era o armador do navio, cuja responsabilidade beneficiaria do regime de limitação previsto na Convenção de Bruxelas de 1957, se o Estado do responsável desta fizesse parte. Foi o sistema introduzido pela CLC completado pela Convenção Internacional de Bruxelas de 1971 que instituiu o Fundo Internacional para a indemnização dos danos devidos à poluição por hidrocarbonetos.





Declaração de Estocolmo sobre o meio ambiente humano:



Esta declaração foi elaborada durante a I Conferência Mundial sobre o Meio Ambiente, realizada em Estocolmo, Suécia, em 1972. Visava estabelecer princípios comuns para inspirar e guiar os povos do Mundo na preservação e na melhoria do meio ambiente. O documento inclui um número de princípios destinados às necessidades especiais dos países do “Terceiro Mundo”, demandando "a transferência de quantidades substanciais de assistência financeira e tecnológica para os estados em desenvolvimento", para superar as "deficiências ambientais geradas pelas condições de subdesenvolvimento" e "preservar e melhorar o meio ambiente" e cobrir os custos de "incorporação de salvaguardas ambientais".





Convenção sobre o Comércio Internacional das Espécies da Fauna e da Flora Selvagens Ameaçadas de Extinção:



Também conhecida por Convenção de Washington, é um acordo multilateral assinado em Washington DC, Estados Unidos, a 3 de Março de 1973, agrupando um grande número de Estados, tendo como objectivo assegurar que o comércio de animais e plantas selvagens, e de produtos deles derivados, não ponha em risco a sobrevivência das espécies nem constitua um perigo para a manutenção da biodiversidade.



O acordo CITES foi redigido em resultado de uma resolução adoptada em 1963 no seio da União Mundial para a Conservação da Natureza (World Conservation Union). O acordo prevê vários níveis de protecção e abrange hoje cerca de 30 000 espécies da fauna e flora selvagens.





Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar:



Celebrada em Montego Bay, Jamaica, em 1982. É um tratado multilateral celebrado sob os auspícios da ONU que define conceitos herdados do direito internacional costumeiro, como mar territorial, zona económica exclusiva, plataforma continental, entre outros, e estabelece os princípios gerais da exploração dos recursos naturais do mar, como os recursos vivos, os do solo e os do subsolo. A Convenção também criou o Tribunal Internacional do Direito do Mar, competente para julgar os litígios relativos à interpretação e à aplicação deste tratado.



Em Portugal esta Convenção só foi ratificada em 1997, tendo entrado em vigor nesse mesmo ano.





Convenção de Viena para a Protecção da Camada de Ozono:



A preocupação da comunidade internacional quanto à problemática do empobrecimento da camada de ozono, levou à adopção, no âmbito das Nações Unidas para o Ambiente, da Convenção de Viena, em Março de 1985. Seguida do Protocolo de Montreal (1987).



A Convenção de Viena para a Protecção da Camada de Ozono, tem como principal objectivo proteger a saúde humana e o ambiente dos efeitos adversos que resultem, ou possam resultar, de actividades humanas que modifiquem, ou possam modificar, a camada de ozono.



Esta Convenção pretende desenvolver a cooperação através de observações sistemáticas, investigação e troca de informação de forma a garantir um conhecimento que permita uma avaliação aprofundada dos efeitos das actividades humanas na camada de ozono e dos efeitos na saúde humana e no ambiente resultantes destas alterações.



Este objectivo foi largamente alcançado, de acordo com as últimas avaliações científicas sobre o empobrecimento da camada de ozono. Prevê-se que a camada de ozono esteja totalmente recuperada no ano 2049 para as latitudes médias (30 a 60) e no ano 2065 na zona do Árctico.



A Convenção de Viena foi adoptada por 193 Estados e Organizações Regionais de Integração Económica. Portugal aderiu à Convenção de Viena a 17 de Outubro de 1988.



O Instituto de Meteorologia é o Organismo responsável pelo acompanhamento desta Convenção Internacional.





Convenção Sobre Diversidade Biológica:



Estabelece normas e princípios que devem reger o uso e a protecção da diversidade biológica em cada país signatário.



Em linhas gerais, a Convenção da Diversidade Biológica (CDB) propõe regras para assegurar a conservação da biodiversidade, o seu uso sustentável e a justa e equitativa repartição dos benefícios provenientes do uso económico dos recursos genéticos, respeitada a soberania de cada nação sobre o património existente no seu território.



A Convenção Sobre Diversidade Biológica (CBD) já foi assinada por 175 países (em 1992 durante a Eco-92), dos quais 168 a ratificaram. A consciência da sua importância levou Portugal a ratificar esta Convenção através do Decreto nº 21/93, de 21 de Junho, tendo entrado em vigor a 21 de Março de 1994.





Convenção para a protecção do meio marinho no Nordeste do Atlântico (OSPAR):



A Convenção OSPAR de 1992 é o instrumento que guia a cooperação internacional na protecção do ambiente marinho do Atlântico Nordeste. Combinou e actualizou a Convenção de Oslo de 1972 sobre a imersão de resíduos no mar e a Convenção de Paris de 1974 sobre fontes de poluição marinha de origem telúrica.



Os trabalhos no âmbito da Convenção são geridos pela Comissão OSPAR, composta pelos representantes dos Governos de 15 Partes Contratantes e da Comissão Europeia, representando a Comunidade Europeia. Os trabalhos no âmbito da Convenção são guiados por Declarações Ministeriais feitas na adopção da Convenção e nas reuniões de ministros da Comissão de OSPAR. Toda a actividade aplica a abordagem ecossistémica à gestão das actividades humanas. É organizado sob seis estratégias:
- Protecção e Conservação da Biodiversidade Marinha e dos Ecossistemas



- Eutrofização



- Substâncias Perigosas



- Indústria de Petróleo e Gás no Mar



- Substâncias Radioactivas



- Monitorização e Avaliação.



A Agência Portuguesa do Ambiente é o ponto focal nacional da Comissão OSPAR.





Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas (CQNUAC) e Protocolo de Quioto:



A Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas (CQNUAC) e o seu Protocolo de Quioto constituem o único enquadramento internacional para combate às alterações climáticas.



A CQNUAC, a primeira medida internacional para tratar do problema das alterações climáticas, entrou em vigor em Março de 1994 e tem como objectivo a estabilização das concentrações na atmosfera de gases com efeito de estufa (GEE) a um nível que evite uma interferência antropogénica perigosa com o sistema climático. Esta Convenção obriga todos os seus signatários a estabelecer programas nacionais de redução das emissões de GEE e a apresentar relatórios regulares, exigindo também que os países signatários industrializados, por oposição aos países em desenvolvimento, estabilizem até 2000 as suas emissões de GEE aos níveis de 1990. Este objectivo não é, todavia, vinculativo.



Em 1994 foi largamente reconhecido que os compromissos iniciais da CQNUAC não seriam suficientes para suster o aumento global das emissões de GEE e em Dezembro de 1997, os Governos deram mais um passo e aprovaram um protocolo à CQNUAC - o Protocolo de Quioto (PQ), que entrou em vigor em Fevereiro de 2005.
O PQ estabelece limites juridicamente vinculativos para as emissões de GEE em países industrializados e prevê mecanismos de implementação inovadores baseados no mercado com vista a manter os custos da contenção das emissões a um nível tão baixo quanto possível.



Ao abrigo do PQ, os países industrializados devem reduzir as suas emissões de seis GEE (CO2- o mais importante, metano, óxido nitroso, hidrofluorcarbonetos, perfluorcarbonetos e hexafluoreto de enxofre) em média de 5% relativamente aos níveis de 1990 durante o primeiro “período de cumprimento” de 2008 a 2012. Não são fixados objectivos em matéria de emissões para os países em desenvolvimento.





Protocolo de Cartagena sobre Biossegurança:



O Protocolo de Cartagena sobre Segurança Biológica (Protocolo), estabelecido no quadro do artigo 19, parágrafo 3 da Convenção sobre Diversidade Biológica, foi adoptado, em Montreal, a 29 de Janeiro de 2000, Canadá, durante a Presidência Portuguesa da União Europeia e posteriormente, assinado na VI Conferência das Partes à Convenção sobre Diversidade Biológica, que teve lugar em Nairobi, a 24 de Maio desse ano.
De acordo com o artigo 37º, o Protocolo entra em vigor no nonagésimo dia após ter sido depositado o quinquagésimo instrumento de ratificação, o que se verificou a 11 de Setembro de 2003. À presente data mais de 147 países são Partes no Protocolo.
Foi ratificado por Portugal através da publicação do Decreto n.º 7/2004, de 17 de Abril, que aprovou o Protocolo de Cartagena sobre Segurança Biológica à Convenção sobre a Diversidade Biológica e depositou o seu instrumento de adesão nas Nações Unidas, em 30 de Setembro de 2004, tendo entrado em vigor a 29 de Dezembro de 2004.



Este protocolo visa, no fundo, assegurar um nível adequado de protecção no campo da transferência, da manipulação e do uso seguro dos organismos vivos modificados resultantes da biotecnologia moderna que possam ter efeitos adversos na conservação e no uso sustentável da biodiversidade biológica, levando em conta os riscos para a saúde humana.

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