sexta-feira, 20 de maio de 2011

Quando as empresas em Portugal precisam de um empurrãozinho…

É do senso comum que, frequentemente, as disposições sancionatórias ambientais não têm, no seio empresarial e industrial, um impacto muito significativo. De facto, o cumprimento das normas que estipulam os valores-limite das emissões poluentes é muitas vezes escasso, revelando os seus destinatários mesmo uma certa indiferença pelas mesmas, preferindo até o pagamento da coima à adaptação da logística industrial às causas ambientais. Também não é menos verdade que essa adaptação logística, que pressupõe a implementação de novas técnicas mais “amigas do ambiente”, origina elevados custos que as empresas muitas vezes não têm meios para suportar no imediato.

Foi neste contexto que o legislador criou os contratos de adaptação ambiental, numa tentativa, por muitos criticável, de remediar a situação de indiferença ou falta de meios das entidades empresariais cuja actividade é geradora de danos ambientais.

Assim, inicialmente no DL 74/90 de 7 de Março e também no artigo 17º do DL 352/90 de 9 de Novembro, surgiram os primeiros conceitos de contrato de adaptação ambiental e de contrato-programa: no primeiro era dado um prazo de adaptação às empresas poluidoras durante o qual podiam desrespeitar as disposições que impunham certos valores limite de poluição sendo que ao mesmo tempo deviam organizar a sua logística para no final desse prazo procederem a uma actividade cumpridora daqueles valores; já os segundos distinguem-se dos primeiros por dizerem respeito a normas de natureza regulamentar, que igualmente estabeleciam valores limite de poluição.

Mais tarde surgiu então o regime dos contratos de adaptação ambiental como os conhecemos em vigor actualmente, por via do DL 236/98, totalmente condensado no artigo 78º, no capítulo das disposições finais e transitórias, opção legislativa questionável visto que a técnica adoptada podia ter proporcionado um lugar com maior dignidade ao regime (a este propósito, Mark Kirkby, pag. 74).

A essência da figura permanece: são contratos cujo escopo é a desconsideração de normas que estabelecem os valores limite das descargas de àguas residuais por um lado, para, por outro atenuar as dificuldades das empresas no cumprimento daquelas mesmas normas, “com vista à adaptação à legislação ambiental em vigor” (78º/1).

Para tal, nos termos no nº 3 do artigo 78º, é concedido às empresas “um prazo e a fixação de um calendário” e eventualmente “a definição de normas de descarga” para procederem a essa mesma adaptação, situação semelhante à que se verificava com os DL 74/90 e 352/90.

Já no sentido de assegurar o efectivo cumprimento do estipulado ou de aplicar eventuais sanções vem o nº 6 dispor que aquele plano ou calendário constitui uma “referência para a fiscalização da actividade das instalações das empresas aderentes no que respeita ao cumprimento das suas obrigações ambientais”. De referir que nos termos do mesmo preceito, aquele plano de adaptação deve passar pela aceitação do Ministério do Ambiente.

Contudo, este regime não é isento de críticas, algumas delas graves e transportadoras de vícios tão graves como a inconstitucionalidade. De facto, ao concertar num contrato de adaptação ambiental, a Administração está a derrogar normas legais, as tais normas que estabelecem os referidos valores-limite. Teríamos assim um acto negocial, um contrato administrativo, a derrogar uma norma legal, o que contraria o princípio da tipicidade das formas de lei e a hierarquia de fontes, constitucionalmente consagrados no 112º/6. Estaríamos assim perante “o mais despudorado atentado à hierarquia de fontes estabelecida na Lei Fundamental e seria totalmente absurdo que uma tal habilitação surgisse integrada nas disposições transitórias de uma lei que apenas trata de um aspecto parcelar do Direito do Ambiente, relacionado com a poluição no meio aquático” (Mark Kirkby, pag. 76). Nem sequer se argumente que do artigo 35º/2 LBA se retiram esses contratos. Estou de acordo com a doutrina que argumenta contra isto: de facto, nem do elemento sistemático, nem do histórico nem do literal e muito menos do teleológico se podem retirar essas conclusões sobre o 35/2º LBA (Mark Kirkby, pag 58/59). Deste lado da balança, prevalece assim a hierarquia de fontes e o princípio da legalidade.

Acontece que do outro lado da balança pesam outros princípios basilares do nosso ordenamento jurídica, que podem, em correlação com o princípio da legalidade, de alguma forma justificar a subsistência destes contratos. A esse propósito é de referir o princípio da eficácia administrativa. Assim, a Administração pode alcançar mais rapidamente e com maior eficácia os seus objectivos através destes contratos. Sem eles, o grau de cumprimento das disposições normativas que impõem níveis máximos de poluição seria muito menor.

No entanto, quer-me parecer que ainda assim o peso da legalidade é determinante, até porque a Administração tem à sua disposição outros meios de actuação, pelo que os contratos de adaptação ambiental não são sequer o seu último recurso. Assim, concordo com as quatro propostas de Mark Kirkby para contratos administrativos ambientais lícitos: contratos de promoção ambiental (a esse propósito o artigo 68º do DL 236/98), os contratos através dos quais os particulares se vinculam a um plano de adaptação a normas de natureza regulamentar, contratos de adaptação a normas legais que estabeleçam limites imperativos de poluição mas cuja previsão ou estatuição comportem uma determinada margem de abertura e os contratos substitutivos de actos administrativos praticados no exercício de poderes administrativos de polícia ambiental do tipo preventivo a exercer em procedimentos de iniciativa de particulares e em que normalmente existem zonas de discricionariedade (Mark Kirkby, pag. 80/81).

A estas propostas o Prof. Vasco Pereira da Silva junta mais uma: os contratos de adaptação ambiental que se afastem dos limites legais a título excepcional, desde que com algum sentido na norma legal, não pondo em causa nem a lei (princípio da legalidade!), nem a Constituição, nem os princípios fundamentais da actuação administrativa (Vasco Pereira da Silva, pag. 218).
A meu ver, a figura dos contratos de adaptação ambiental, apesar do grande senão que é a contrariedade em relação ao princípio da legalidade e à hierarquia das fontes, desafiando o 112º/6 da Constituição, não é de todo, de descartar. Isto porque, em termos práticos, são perceptíveis as vantagens, ou pelo menos as não desvantagens: as empresas acabam por, ainda que tardiamente, cumprir os limites legais de descargas poluentes. O que será melhor do que não cumprirem de todo. A esse propósito, diz-nos Carla Amado Gomes: “O contrato de adaptação surge aqui em concretização de um imperativo de proporcionalidade, visando evitar males maiores sem com isso comprometer o objectivo da lei” (pag. 205). Poder-se-ia, como questionado supra, ter encontrado uma forma mais cuidada de tratar o regime e de evitar a colisão com princípios basilares do nosso ordenamento. Daí a relevância das propostas dos autores mencionados. É que os contratos administrativos ambientais, sempre que respeitadores desses princípios, constituem uma ferramenta extremamente útil de a Administração efectivar os seus objectivos e dar andamento prático à imposição constitucional do artigo 9º d).

Carla Amado Gomes, Direito Administrativo do Ambiente
Mark Kirkby, Os contratos de adaptação ambiental, AAFDL, 2005
Vasco Pereira da Silva, Verde Cor de Direito, Almedina, 2005

Sofia Nunes
nº 17110
Subturma 5

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