domingo, 1 de maio de 2011

A Responsabilidade Civil Ambiental

A responsabilidade civil afigura-se de particular relevância na tutela do ambiente.
Isso mesmo foi considerado na Declaração do Rio (Declaração do Rio sobre Ambiente e Desenvolvimento), onde no princípio 13 se proclama que:
"Os Estados deverão elaborar legislação nacional relativa à responsabilidade civil e à compensação das vítimas da poluição e de outros prejuízos ambientais".
Aliás, o princípio da responsabilização constava já do artigo 130.º R, introduzido pelo Acto Único Europeu de 1987.
E também consta do 5.º Programa de Acção da Comunidade Europeia a implementação efectiva do princípio do poluidor-pagador.
O legislador português consagrou, entre outros, na Lei de Bases do Ambiente ­ Lei n.º 11/87 de 7/4 ­, o princípio, da responsabilização (artigo 3.º alínea h)), mais conhecido pelo princípio do poluidor-pagador.
Mas, além deste princípio, cabe aqui referir um outro princípio estruturante do Direito do Ambiente ­ princípio da prevenção, consagrado na Lei de Bases do Ambiente (artigo 3.º alínea a)).
Também no artigo 130.º R (introduzido pelo Acto Único Europeu de 1987) do Tratado da União Europeia foi explicitado o princípio da prevenção.
No artigo 130.º R, na redacção dada pelo Tratado da União Europeia assinado em 7 de Fevereiro de 1992, aparece-nos mesmo o conceito de precaução, que seria proclamado como princípio na Declaração do Rio.
No princípio 15 da Declaração do Rio dispõe-se que "para que o ambiente seja protegido, serão aplicadas pelos Estados, de acordo com as suas capacidades, medidas preventivas. Onde existam ameaças de riscos sérios ou irreversíveis não será utilizada a falta de certeza científica total como razão para o adiamento de medidas eficazes em termos de custo para evitar a degradação ambiental".
Segundo este princípio, a incerteza ou menor certeza científica não pode, pois, ser vista como razão para dilatar no tempo medidas de prevenção da degradação ambiental.
Afigura-se-nos particularmente adequada e útil a autonomização do princípio da prevenção e da precaução, apesar de a ideia da prevenção, no que toca ao direito civil, se poder considerar subjacente à responsabilidade civil.
É de lembrar que a prevenção e a cessação das infracções ambientais, quer através dos procedimentos cautelares adequados, quer através de acções definitivas, ou seja, acções inibitórias (provisórias ou definitivas), tiveram plena consagração na Lei de Bases do Ambiente e na própria Constituição da República Portuguesa (hoje, no artigo 52.º n.º 3).
_­ Responsabilidade Civil Ambiental: Legislação
­ Normas clássicas
Antes, porém, de se referir  normas da responsabilidade civil, importa atentar noutras previsões clássicas de direito civil que poderão relevar em matéria de ambiente.
É o caso do artigo 70.º do Código Civil que tutela os direitos de personalidade.
Verifica-se, aliás, hoje, a singularidade de termos uma parcela destes direitos instituída no direito fundamental, o direito ao ambiente ­ artigos 66.º e 52.º n.º 3 da Constituição.
Também a aplicação ao ambiente dos artigos 1346.º e 1347.º do Código Civil, que regulam as relações de vizinhança, se nos afigura de todo o interesse, aproveitando-se o automatismo daquele regime, pelo menos enquanto a regulação da responsabilidade civil não for mais completa.
Temos, finalmente, as normas do Código Civil relativas à responsabilidade civil ­ artigos 483.º e seguintes.
Aplicando estas normas em matéria de ambiente, funciona, portanto, o princípio da responsabilidade civil com base na culpa.
Porém, no caso de actividades perigosas (artigo 493.º n.º 2 do Código Civil) estabelece-se uma presunção de culpa do agente ilidível mediante a demonstração de que se empregaram todas as medidas preventivas exigidas pelas circunstâncias.
E no caso de detenção de coisa móvel ou imóvel com particular dever de vigilância (artigo 493.º n.º 1 do Código Civil) estabelece-se também presunção de culpa do detentor, ilidível pela prova do contrário, mas permitindo, além disso, a descaracterização do nexo de causalidade por via da relevância da causa virtual.
Apenas no caso de condução ou entrega de electricidade ou de gás, ou de instalação (artigo 509.º do Código Civil) se estatui um regime de responsabilidade objectiva, o qual é configurado de forma plena para as actividades de condução e entrega ­ excluída somente por causas de força maior (n.º 2 do mesmo artigo) ­, mas atenuado no que toca aos danos resultantes da instalação, já que tal responsabilidade é obliterada pela prova de que a instalação se encontrava de acordo com as regras técnicas em vigor e em estado de perfeita conservação, no momento do acidente.
Ora, é evidente que a concepção tradicional da responsabilidade civil não satisfaz nesta matéria.
Se bem que não sejam raros os casos de negligência, a dificuldade em prová-la é frequente.
É assim que nos textos modernos se admite o princípio da responsabilidade objectiva.
No domínio da energia nuclear, a Convenção sobre Responsabilidade Civil, assinada em Paris em 29 de Julho de 1960 e aprovada para ratificação pelo Decreto n.º 33/77 de 11 de Março, estabelece uma responsabilidade objectiva.
Assim, o Decreto-Lei n.º 348/89 de 12/10 ­ que dispõe sobre as actividades susceptíveis de envolver risco de exposição a radiações ionizantes ou de contaminação radioactiva, compreendendo designadamente as instalações nucleares ou radioactivas, bem como as actividades que impliquem a utilização de radiações consideradas não ionizantes ou utilização de produtos que contenham compostos químicos genericamente designados por filtros solares - no seu artigo 10.º faz recair sobre quem tenha a direcção efectiva das instalações, equipamentos ou material produtor de radiações ionizantes ou não ionizantes, e os utilizar no seu interesse, a responsabilidade objectiva pelos danos resultantes não só da sua utilização como da própria instalação.
Embora, para além das causas de força maior, tal responsabilidade objectiva seja excluída pela prova de que, ao tempo em que o dano foi causado, aquelas instalações, equipamento e material estavam e foram utilizados de acordo com as regras técnicas em vigor e em perfeito estado de conservação.
Também nos textos de âmbito europeu da Proposta Alterada de Directiva do Conselho Relativa à Responsabilidade Civil pelos Danos Causados pelos Resíduos (91/C 192/04) e o da Convenção sobre a Responsabilidade Civil por Danos Resultantes de Actividades Perigosas para o Ambiente se aceita a responsabilidade sem culpa.
E já a Lei de Bases do Ambiente, no que toca à responsabilidade civil, se no artigo 40.º, n.º 4 nada havia acrescentando de significativo às normas clássicas, no artigo 41.º admitiu a responsabilidade objectiva.

Inovações
O artigo 3.º da Proposta Alterada de Directiva do Conselho Relativa à Responsabilidade Civil pelos Danos Causados pelos Resíduos dispõe que "o produtor de resíduos é civilmente responsável pelos danos e pelas lesões ao ambiente causados pelos resíduos, independentemente de culpa".
Nesta proposta, além de se consagrar a responsabilidade objectiva do produtor dos resíduos, autonomiza-se os danos no ambiente ­ "degradações no ambiente" (artigo 3.º) ­, confere-se legitimidade (artigo 4.º n.os 3 e 1b)) às associações ou grupos de interesses cujo objectivo é a preservação da natureza e a qualidade do meio ambiente para propor acções judiciais com vista a:
­ uma decisão judicial que proíba o acto ou que corrija a omissão que causou ou que pode causar o dano e/ou uma compensação pelo dano sofrido;
­ uma decisão judicial que proíba o acto ou corrija a omissão que causou ou que pode causar a degradação do ambiente;
­ uma decisão judicial que ordene o restabelecimento do ambiente e/ou que ordene a execução de medidas preventivas e o reembolso das despesas legitimamente efectuadas com o restabelecimento do ambiente e com as medidas preventivas (incluindo os custos decorrentes dos danos causados pelas medidas preventivas).
O artigo 11.º daquele texto impõe que a responsabilidade do produtor, no exercício de uma actividade industrial ou comercial que produza resíduos, deverá ser coberta por um seguro ou outra garantia financeira e refere ainda que a Comissão estudará a possibilidade de criação de um Fundo Europeu para Indemnização dos Danos e Degradações do Ambiente Provocados pelos Resíduos.
Quer-nos, porém, parecer que o carácter inovatório da Directiva em preparação, acabada de referir, poderá, de algum modo, ser ultrapassado pela Convenção sobre a Responsabilidade Civil por Danos Resultantes de Actividades Perigosas para o Ambiente, cuja assinatura foi aberta em Lugano em 21/6/93, tendo já sido assinada por Chipre, Finlândia, Islândia, Itália, Liechtenstein, Luxemburgo e Holanda.
Na verdade esta Convenção do Conselho da Europa é mais abrangente, pois, para além das operações relacionadas com resíduos abrange também operações referentes a substâncias perigosas e bem assim envolvendo organismos geneticamente modificados. Ela visa a reparação rápida e adequada dos danos resultantes de actividades que são perigosas para o ambiente.
Trata-se de um instrumento internacional da maior relevância, que consagra a responsabilidade civil objectiva e considera, ao par das lesões nas pessoas e dos danos nos seus bens, os danos no ambiente, dando-se uma noção bem elaborada de ambiente (o ambiente compreende os recursos naturais abióticos e bióticos, tais como o ar, a água, o solo, a fauna e a flora e a interacção entre estes elementos, os bens que compõem a herança cultural e os aspectos característicos da paisagem).
Esta Convenção impõe também um regime de garantia financeira obrigatória.
Importará ainda destacar nesta Convenção o seu artigo 18.º que se refere às acções das organizações e em que se estabelece que qualquer associação ou fundação que, de acordo com os seus estatutos, tenha por objecto a protecção do ambiente e que satisfaça qualquer outra condição suplementar imposta pelo direito interno da Parte onde a acção é proposta, pode pedir:
­ a interdição de uma actividade perigosa e ilícita que constitua uma ameaça séria ao ambiente;
­ uma injunção ao "explorador" para que ele tome medidas no sentido de prevenir um "acontecimento" ou um dano;
­ uma injunção ao "explorador" no sentido de ele tomar após um "acontecimento" medidas com vista a prevenir um dano; ou
- uma injunção ao "explorador" para que ele proceda à reconstituição natural.
Reconhece-se, pois, às associações e fundações de defesa do ambiente um papel activo em dois domínios: na prevenção e na reconstituição natural.
Não posso, de todo o modo, deixar de notar que o preceituado no artigo 18.º é insuficiente na harmonização de soluções no que toca ao acesso colectivo e particularmente no que se refere às suas implicações processuais.
Aliás, a própria Convenção prevê a possibilidade de reserva relativamente ao artigo 18.º
Este e outros aspectos levaram com certeza a Comissão, na sua comunicação, de 17 de Março de 1993, ao Conselho e ao Parlamento Europeu, apesar de considerar que a Convenção constitui a base de um regime de responsabilidade objectiva a desenvolver ao nível da comunidade, a alertar para os problemas de distorção da concorrência no dia em que aquela ali for aplicável.


Ana Filipa Rebelo Subturma 9

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