sexta-feira, 20 de maio de 2011

TUTELA AMBIENTAL CONSTITUCIONAL

O Estado é, numa primeira acepção, a comunidade de cidadãos que assume forma e poder político para prosseguir certos fins, num determinado local. Mas é mais do que isso, é essencialmente a suprema personalidade do direito e é, hoje, o guardião e revelador das forças do povo dirigidas à realização da ética da vida colectiva.
O Estado de Direito (Estado Liberal), baseado na democracia liberal, caracterizado pelo império da lei, pela separação dos poderes, pela legalidade da administração e pelos direitos e garantias individuais, intervinha o mínimo possível na vida dos cidadãos, na vida social, apenas tutelando a segurança interna e externa do país (Estado Mínimo). O expoente máximo era, ali, a garantia de uma “liberdade igual para todos”, sendo que com ele surgem a primeira geração de direitos humanos: as liberdades individuais e os direitos civis e políticos (ex: liberdade de expressão, religiosa, direito de voto, direito de propriedade privada). Mas atribuía todos ou quase todos os encargos aos indivíduos ou grupos privados.
Os reclames sociais levaram à passagem para o Estado Assistencial que passou a assumir esses encargos. E com o surgimento do Estado Social, intervencionista e prestador, é a ele a quem incumbe os custos de satisfação (por meio de impostos) das necessidades básicas; quanto às restantes, apenas assegura o indispensável, sendo que aí os custos são repartidos entre os cidadãos por meio de taxas – princípio da igualdade real e material. Com ele surge a segunda geração de direitos humanos, os direitos sociais (ex: direito ao trabalho, à saúde, educação).
Por fim, o Estado Pós-social em que vivemos traz consigo os direitos humanos de terceira geração, de onde consta o ambiente e qualidade de vida.

Uma Constituição verde


Ora, é precisamente com o nascer dos Direitos Económicos Sociais e Culturais (DESC), consagrados constitucionalmente como direitos fundamentais (DF) nos artigos 58.º e ss da CRP, que surge o direito ao ambiente e à qualidade de vida (artigo 66.º CRP). Com eles, o Estado mantém os seus deveres de criação e protecção quanto aos direitos de liberdade e de existência (DLG); deveres de organização e procedimento quanto aos direitos de participação e de defesa; e passa a ter também deveres de prestação. Isto porque os DESC pressupõem não só a sua criação, mas também a sua concretização (obrigação positiva), já que constituem direitos a prestações positivas do Estado, e ainda deveres de não os abolir ou restringir (obrigação negativa). Efectivamente este direitos estão sob “reserva do possível”, dependem de debate político, de ponderação (avaliação dos recursos materiais e humanos disponíveis e adequados – princípio da proporcionalidade, e das condições económico-financeiras, administrativas, institucionais e sócio-culturais) e de realização (ajustamento do socialmente desejável ao economicamente possível). São, neste sentido, normas programáticas, que traçam princípios que necessitam de concretização pelos órgãos estatais, pelo que não têm aplicação imediata, tal como refere o professor Jorge Miranda.
Com efeito, em 1976 a CRP passa a tratar da questão ambiental expressamente, mas não estabelece, contudo, uma definição de ambiente ou de qualidade de vida. Conjugando o disposto nesta, no seu artigo 66.º/1 com as disposições da Lei de Bases do Ambiente (Lei nº 11/87) fica claro delimitar o conceito. É assim o “direito dos cidadãos a disporem de todo um conjunto de sistemas de natureza física, química e biológica que lhes permitam realizar a sua personalidade humana num contexto social, económico e cultural liberto de condicionalismos tecnológicos, a fim de se criar uma verdadeira qualidade de vida para toda a colectividade”.

Direito fundamental ao Ambiente

O meio ambiente é a interacção do conjunto dos elementos naturais, artificiais e culturais, que propicia o desenvolvimento equilibrado da vida em todas as suas formas.
A necessidade de preservação global do meio ambiente consiste numa tarefa difícil. A consciencialização em relação à sua protecção surgiu à medida que as pessoas passaram a perceber que a sobrevivência do homem depende de um ambiente equilibrado e preservado. Mas apesar da preocupação com o ambiente, são inquestionáveis as necessidades de desenvolvimento económico, e para que ambas sejam conciliadas, é imprescindível a existência de normas protectoras do ambiente no exacto limite em que esse desenvolvimento não prejudique o equilíbrio do ecossistema. Estamos assim diante de um verdadeiro direito humano fundamental, um direito dos seres humanos de viverem num meio sadio e equilibrado, um direito que não conhece fronteiras e que deve ser respeitado por todos.
É certo que historicamente a tutela ambiental surgiu como forma de protecção ao aspecto patrimonial dos elementos que compõem o meio ambiente, contudo tem-se alterado as circunstâncias no sentido de uma tutela preventiva.

O direito ao ambiente é, pois, um direito do Homem, dotado de dignidade, que resultou da emergência de uma nova “geração” de “direitos” - colectivos, difusos, de solidariedade, circulares - claramente centrada na melhoria das condições de vida das populações.
É um direito positivo, na medida em que se exige do Estado uma acção para a sua efectivação, protecção e controle das acções poluidoras, e um direito negativo à abstenção não somente por parte do Estado, como também por parte de terceiros, das acções que forem nocivas ao meio ambiente; é assim um DF de natureza análoga, como expressam os professores Gomes Canotilho e Vital Moreira.
Mais, se por um lado constituem direitos objectivos ou institucionais (tarefas do Estado), por outro, como entendem os professores Vasco P. da Silva e Carla Amado Gomes são também direitos subjectivos, de defesa (das pessoas, individuais ou colectivas, como associações, fundações, Autarquias Locais, relativamente ao meio ambiente), uma vez que as normas reguladoras do ambiente se destinam também à protecção dos interesses dos particulares, que são titulares de direitos subjectivos públicos. Acentua o professor que é a subjectivização da defesa do ambiente que ministra em cada um o interesse pelos assuntos do Estado, como se fossem os seus.
Por conseguinte, se se possibilita esta defesa individual à luz dos artigos 66.º CRP e 2sº/1 da LBA), e se ao Estado incumbe o papel principal de promover o bem-estar, a qualidade de vida, a defesa da natureza e do ambiente, nos termos do artigo 9.º d) e) da CRP, certo é que a salvaguarda do equilíbrio ambiental é também um dever de todos os cidadãos, mais, não só um dever de conservação actual do património biológico e cultural, mas também um dever para com as gerações vindouras.

Conflitos de direitos


Estando ao mesmo nível dos demais direitos fundamentais, pois previsto como todos os outros na CRP, como resolver em caso de colisão de direitos?
É certo que constituindo DF, constituem posições substantivas de vantagem dos indivíduos dirigidas contra agressões ilegais na sua esfera individual (ex: uma licença ambiental ilegal concedida a uma indústria de produtos tóxicos na proximidade de uma zona habitacional), contra o Estado e o poder público, em primeira mão, e também contra entidades privadas, e por aí não podem ser sacrificados perante outros valores comunitários.
Por outro lado, gozam do regime dos DLG, que vincula tanto entes públicos como privados, dos artigos 17.º e 18.º da CRP. Mas também os demais direitos de primeira e segunda geração gozam, pelo que no intuito da preservação da natureza, não se pode descurar os direitos de propriedade, de liberdade, ou mesmo o desenvolvimento económico. Até porque se o dano ambiental é um dano pessoal, também outros danos, referentes a estes outros DF o são, pelo que ao estar já coberto por todo um conjunto de disposições referentes a direitos fundamentais “clássicos” (à vida, à integridade física e psíquica, à propriedade, à iniciativa económica, à investigação científica) não pode a eles se sobrepor sem mais nem menos.
 Há que recorrer, como refere o professor Vieira de Andrade, ao “método de concordância prática”, no sentido de se ponderar todos os valores constitucionais em causa, para que a CRP seja preservada o mais possível.

Em suma, estamos nitidamente diante de um direito social do homem. E mais, diante de um direito fundamental, considerando que o direito à qualidade do meio ambiente pode ser extraído da sua relação com o maior de todos os direitos fundamentais, que é o direito à vida. Dessa forma, a qualidade do meio ambiente é uma tutela instrumental, porque é através dela que a vida é protegida.
Não obstante, a protecção ao ambiente é imediata e advém da necessidade de uma resposta diante da complexidade das situações apresentadas na sociedade moderna. Se é verdade que a sociedade de risco em que vivemos implica processos políticos conflituosos, porque os interesses envolvidos também o são, estes não se podem sobrepor à protecção ambiental.
O ambiente não tem nacionalidade nem soberania, atingindo a todos, como já acontece no que concerne ao aquecimento global. Deste modo, a protecção deve visar a longo prazo porque todos acabarão por sofrer as consequências.

Bibliografia:
• Silva, Vasco Pereira da, “Verde Cor de Direito, Lições de Direito do Ambiente”, Almedina, 2ª edição Fevereiro 2002.
• Miranda, Jorge, “Manual e Direito Constitucional”, 4ª edição, Coimbra Editora, 2008.
• Gomes, Carla Amado, in Constituição e Ambiente, errância e simbolismo”, 2006.
• Canotilho, J.J. Gomes e Moreira, Vital., “Constituição Portuguesa Anotada”, 2ª edição, Coimbra: Coimbra Editora, 1984.

20/05/11
Maria Macias, Subturma 7.

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