sábado, 21 de maio de 2011

Tutela do Ambiente e Direito Civil - As relações de vizinhança

Tutela do Ambiente e Direito Civil - As relações de vizinhança


O direito civil assume, na tutela do direito do ambiente, um relevo que se evidência em três planos, diz-nos Menezes Cordeiro: Num plano cultural, na medida em que o Direito Civil representa a cepa mais profunda do direito continental actual e, como a tutela do direito do ambiente não é uma mera preocupação passageira, ela deve radicar nos planos mais estáveis do pensamento jurídico; num plano instrumental, o Direito Civil tem a seu cargo a elaboração de instrumentos dogmáticos básicos, tais como as ideias de "obrigação", "responsabilidade", "dano", "direito subjectivo", e muitos outros; e, por fim, num plano regulativo, que resulta do facto de haver regras civis que visam, directa ou indirectamente, o ambiente (como é o caso de algumas das regras relativas às relações de vizinhança).


A presença do Direito Civil na tutela do ambiente traz consigo algumas vantagens:
• Permite a qualquer particular intervir, por si, em questões ambientais; faculta nesse domínio, a intervenção de entidades privadas, maxime das associações para a defesa do ambiente;
• Faculta poupanças por parte dos serviços públicos que, assim, se poderão concentrar nas tarefas onde, verdadeiramente, sejam insubstituíveis;
• Completa o défice estrutural do Direito Público: o direito público tem de aguardar o aparecimento de novas leis que habilitem a Administração a actuar, o que se revela problemático num contexto de constante aparecimento de situações novas; este problema não se põe no Direito Privado, pois nele vigora o princípio da Liberdade;
• Assume um plano transnacional de eficácia: a sentença civil pode ter eficácia para lá das fronteiros do Estado e, a tutela do ambiente, para ser eficaz, tem de ser fazer aquém e além fronteiras.
As relações de vizinhança vêm previstas no artigo 1346º, ss do Código Civil (doravante CC). Nas Palavras de Menezes Leitão, as relações de vizinhança estabelecem limitações ao exercício de determinados direitos, em benefício do titular do direito real do prédio vizinho. No que diz respeito ao Direito do Ambiente, as relações de vizinhança impõem também deveres: uns de conteúdo negativo , de abstenção de certas condutas (non facere) o outros de conteúdo positivo, de prevenção de perigos para o prédio vizinho.


No âmbito deste comentário, não analisarei todos os deveres decorrentes das relações de vizinhança, mas apenas aqueles que digam respeito ao Direito do Ambiente:

• O dever de abstenção de emissões
O artigo 1346º, CC, vem permitir ao proprietário de um imóvel opor-se à emissão de fumo, fuligem, vapores, cheiros ou ruídos, bem como à produção de trepidação ou outros actos semelhantes provenientes do prédio vizinho (desde que tais actos provoquem um prejuízo substancial para o uso do imóvel ou não resultem da utilização normal do prédio de que emanam: para Menezes Leitão, trata-se de requisitos alternativos, para Menezes Cordeiro são requisitos cumulativos). Neste âmbito, "prédio vizinho" não tem de ser o prédio contíguo (como defende Pires de Lima e Antunes Varela), podendo ser o prédio próximo (na opinião de Menezes Leitão e de Menezes Cordeiro), não num sentido geográfico, num sentido de possibilidade de afectação ou proximidade social. Acrescente-se ainda que o artigo em apreço, ao apontar "emissões", actua em termos puramente exemplificativos, defende Menezes Cordeiro. Como se trata de um direito emergente do direito privado, não é afectado por uma autorização administrativa para o exercício de determinada actividade passível de gerar as referidas emissões. Os privados conservam o direito de reagir, nos termos do artigo em análise, independentemente de a actividade prejudicial ter sido ou não objecto de autorização administrativa.

• O dever de evitar efeitos nocivos resultantes de obras, instalações ou depósitos de substâncias corrosivas ou perigosas
Trata-se de um dever específico de prevenção, previsto no artigo 1347º, CC. Esta norma determina que o proprietário não pode construir nem manter no seu prédio quaisquer obras, instalações ou depósitos se for de recear que possam ter sobre o prédio vizinho efeitos nocivos não permitidos por lei. Deste modo, estamos perante um critério de susceptibilidade de ter efeitos nocivos e de esses efeitos nocivos não serem legalmente permitidos. Neste caso, o nº 2 do artigo em análise vem consignar que, a partir do momento em que as obras, instalações ou depósitos estejam autorizados por autoridade competente, ou a partir do momento em que tenham sido cumpridas as condições especiais previstas na lei para a sua conservação ou manutenção, a sua inutilização só é admitida a partir do momento em que o prejuizo se torne efectivo. Esta regra revela-se pouco compatível com o princípio da prevenção. Contudo, diz-nos o nº3, ainda que haja autorização, haverá sempre lugar a indemnização em caso de prejuízo: trata-se de um dever de reparação do perigo delitual, mas há aqui também uma imputação pelo risco, como explica Menezes Leitão. Numa linha compatível, Menezes Cordeiro considera que trata-se, no domínio da vizinhança e com incidência ambiental, do afloramento da regra da prevenção do perigo. Quem tem controlo de uma fonte de perigo tem o dever de tomar todas as medidas necessárias para que não haja danos. Este princípio aflora ainda nos artigos 1348º (escavações) e 1350º (ruína de construção).

• A proibição de perturbar o escoamento natural das águas
O artigo 1351º refere que os prédios inferiores estão sujeitos a receber as águas que, naturalmente e sem obra do homem, decorrem dos prédios superiores, assim como a terra e entulhos que elas arrastam na sua corrente. o nº 2 do mesmo artigo acrescenta que nem o dono do prédio inferior pode fazer obras que estorvem o escoamento, nem o dono do prédio superior obras capazes de o agravar, sem prejuízo da possibilidade de constituição de servidão legal de escoamento, nos casos que é admitida. Na opinião de Menezes Cordeiro trata-se de uma regra que poderia ser alargada a outras situações. Estamos perante o princípio segundo o qual as águias devem seguir o seu curso natural (aliter aquam mittere quam natura solet). Estas águas são as águas fluviais que caem directamente no prédio superior ou que para ele decorrem de outros prédios superiores a ele, águas provenientes da liquefacção das neves e gelos, as que se infiltram no terrenos e as das nascentes que brotam naturalmente num prédio, explica Guilherme Moreira. Já relativamente às substancias que se juntem às águas e as tornem nocivas, vale o artigo 1346º, consideram Menezes Leitão, Pires de Lima e Antunes Varela. Este princípio da proibição da perturbação do escoamento apenas diz respeito às águas naturais, e não às águas inquinadas. Deste modo, nem o dono do prédio inferior pode fazer obras capazes de perturbar o escoamento, nem o dono do prédio superior pode fazer obras que o agravem.



A compreensão dos contornos das relações de vizinhança, nas quais se constrói a tutela civil ambiental, assenta nos seguintes vectores:
• A primeiro consiste em deveres ambientais impreteríveis a cumprir, e que, se forem violados, estão sujeitos às formas de tutela civilísticas. Assim, os particulares podem reagir contra lesões ambientais no âmbito do próprio Direito Civil; hoje em dia começa a ser corrente a utilização pelos tribunais, mesmo ao nível do direito comparado, de normas relativas a relações de vizinhança com função de protecção ambiental;
• O segundo reconhece a evidência no factor antecipativo que se presta a objectivar os deveres de prevenção do perigo. É que as relações de vizinhança têm ligação à tutela preventiva relativamente a actividades de riscos para o ambiente. Como exemplos temos os artigos 1348º, sobre o dever de prevenir perigos para o prédio vizinho, resultantes das escavações, e 1350º, sobre o dever de evitar ruína no prédio do vizinho.



Mariana Lupi
nº 17439

Sem comentários:

Enviar um comentário